O sucesso do economicismo na geografia
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O sucesso do economicismo na geografia


No post anterior - Carlos Walter mudou para ficar a mesma coisa - um leitor me perguntou a razão de eu afirmar que o economicismo ficou difícil de defender após a derrocada socialista se esse modo de pensar continua a ser tão influente. Vou tentar responder sem delongas.

Primeiramente, é preciso notar que a popularidade dessas velhas teses marxistas varia muito de um país para outro. Como já lamentou o filósofo Ruy Fausto (que é socialista): "[no Brasil] o marxismo é muito vivo, enquanto na Europa ele está morto ? e nenhuma dessas atmosferas me satisfaz muito? (Fausto, 2002). Em segundo lugar, conforme eu digo no livro Quebrando a corrente: por uma crítica da geografia atual (*), o marxismo já vivenciava uma crise teórica e prática profunda havia cerca de vinte anos quando a geocrítica tornou-se hegemônica na geografia brasileira. 


De fato, já no final dos anos 1970 e início dos 1980 o socialismo real se mostrava um mosaico de regimes totalitários cujas populações padeciam de diversas formas de privação, provocadas por sistemas econômicos ineficientes, desconectados das demandas dos consumidores e com crescente defasagem tecnológica em relação ao ocidente. Em contraste, os países capitalistas desenvolvidos avançaram imensamente em termos econômicos, sociais e políticos, e até mesmo na chamada "periferia" houve diversos países que lograram avanços econômicos e sociais expressivos, como é o caso do Brasil.

Como então a geocrítica conseguiu se firmar se a teoria social crítica já estava defasada nessa época? Embora seja difícil apresentar uma explicação fechada para um fenômeno como esse, é perfeitamente possível indicar alguns fatores que certamente contribuíram para tanto. As razões que eu apresento no livro são as seguintes:
Esse último fator pode parecer teoria conspiratória, mas as evidências da doutrinação abundam, conforme já demonstrei aqui e aqui. Na verdade, o descolamento entre a realidade, de um lado, e as teorias e conteúdos didáticos inspirados pela geocrítica, de outro, já eram tão gritantes na década de 1970 que é possível afirmar que a doutrinação jogou um papel decisivo na construção da hegemonia dessa corrente. Era isso o que eu mostrava, por exemplo, naquele artigo que a Conhecimento Prático Geografia ignorou.

Finalmente, podemos acrescentar uma explicação que eu não pus nesse livro: a de que o economicismo e maniqueísmo próprios do marxismo vulgar e de outras correntes da teoria social crítica são um caminho para suprir a dificuldade histórica da geografia humana para produzir teorias gerais a partir do estudo de complexos de fenômenos em integração. O determinismo ambiental não deu muito resultado, então a ótica totalizante do marxismo, as leituras simplificadoras da teoria da luta de classes e o economicismo cumprem a função de produzir explicações claras e abrangentes assentadas na noção de causa e efeito. Ao menos é essa a minha leitura das entrelinhas do texto Um lugar para a Geografia: contra o simples, o banal e o doutrinário, de Paulo César da Costa Gomes, conforme eu comentei aqui.

Enfim, minhas explicações são essas.

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(*) Esse livro acabou sendo publicado em 2013 com o título Por uma crítica da geografia crítica.

FAUSTO, R. Da fundamentação à crítica do marxismo. Cult, ano VI, n. 61, set. 2002, p. 28. Entrevista a Francisco Alambert.




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