Sempre tentam interditar o debate sobre a geografia crítica
Geografia

Sempre tentam interditar o debate sobre a geografia crítica


Nos últimos anos, eu tenho apontado as maneiras pelas quais os geógrafos contemporâneos evitam admitir a hegemonia da geocrítica e contornam a necessidade de debater aprofundadamente o que foi e o que é essa corrente do pensamento geográfico (Diniz Filho, 2002; 2013). Recentemente, um comentário publicado neste blog exibiu uma forma nova de interditar esse debate, conforme segue:
Você desemboca naquela perpétua polêmica entre "liberalismo" e "esquerda", incluso essas brigas internas, corporativistas sobre o que é, ou não é, "geografia critica", que não pode ser resolvida pelos geógrafos - cabe aos historiadores da ciência e das idéias, daqui em 50 anos.
Mas sim: o determinismo geográfico hoje serve para negar as causas sistêmicas, profundamente humanas, dos mal-estares sociais, inculpando supostas naturezas
Minha resposta a essa passagem foi que, em primeiro lugar, é falso que eu oponho liberalismo e esquerda. No post A Culpa da Nossa Direita, entre outros, eu deixo bem claro que a direita brasileira é e sempre foi antiliberal, razão pela qual tem o PT como aliado político preferencial.

Em segundo lugar, não existe nenhum "corporativismo" na discussão sobre o que é a geografia crítica, mas tão-somente um debate científico sobre a validade ou não dos métodos e teorias produzidas por essa corrente que é hegemônica na geografia.

Quanto a dizer que precisamos esperar 50 anos para os historiadores da ciência tratarem da geocrítica, nunca vi desculpa mais esfarrapada para interditar questionamentos a essa corrente, tendo em vista que: 

a) não tem cabimento supor que historiadores da ciência são mais competentes para avaliar criticamente uma escola de pensamento geográfico do que os próprios geógrafos!

b) A geocrítica surgiu já faz, por baixo, 40 anos; será possível que isso já não é distanciamento histórico suficiente para avaliá-la? Ainda precisamos esperar mais meio século? Ou será que só se pode debater uma corrente teórica depois que ela tiver desaparecido?

Quanto a dizer que o determinismo tem servido para negar as causas sociais dos problemas da sociedade, isso é verdade. Mas aí também há duas observações a fazer:

a) A própria esquerda faz isso quando lhe interessa, conforme já demonstrei aqui e aqui

b) Autores que defendem as virtudes do capitalismo no combate à pobreza e na melhora das condições de vida da população também negam explicitamente que a natureza determine as diferenças de desenvolvimento entre os povos e situam a explicação desse fenômeno em "causas sistêmicas, profundamente humanas". Ver a respeito o livro Por que as nações fracassam?, de Daron Acemoglu e James Robinson, e também O mistério do capital, de Hernando De Soto.

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DINIZ FILHO, L. L. Certa má herança marxista: elementos para repensar a geografia crítica. In: KOZEL, S.; MENDONÇA, F. A. (org.). Elementos de epistemologia da geografia contemporânea. Curitiba: Ed. da UFPR, 2002.

DINIZ FILHO, L. L. Por uma crítica da geografia crítica. Ponta Grossa: Editora da UEPG, 2013.




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