Historiador reage mal ao livro de Narloch
Geografia

Historiador reage mal ao livro de Narloch



Recentemente, o historiador Elias Thomé Saliba (2011), do Departamento de História da USP, deu uma entrevista na qual comenta, entre outros livros, o Guia politicamente incorreto da história do Brasil (Leya, 2009), do jornalista Leandro Narloch. Nunca li nada desse historiador, mas a impressão que tirei da entrevista não foi boa, devido à desonestidade intelectual de algumas afirmações. E dizem que a primeira impressão é a que fica.


Sua crítica ao Guia começa assim: 
"é um livro provocador, com alguns capítulos interessantes e bem formulados, mas que se deixa conduzir por um sensacionalismo pernicioso para alimentar o maniqueísmo superficial de um público que gosta de conspirações e puxadas de tapete".
Não sei a que o entrevistado se refere quando fala em "sensacionalismo pernicioso". Ao tom irônico usado por Narloch em algumas críticas à historiografia politicamente correta? Ao fato de ele mostrar que certas interpretações dessa historiografia dominante nasceram de mistificações e até falsificações evidentes, como nos momentos em que trata das biografias de Solano López e de Zumbi dos Palmares? Em qualquer das hipóteses, soa estranho Saliba reclamar do tal "sensacionalismo" sem nem se dar ao trabalho de ponderar se a historiografia politicamente correta não seria sensacionalista e, por isso mesmo, apreciada por quem gosta de "teorias conspiratórias". Ora, não são os intelectuais críticos do capitalismo e politicamente corretos os primeiros a tachar todos os outros autores de "ideólogos", produtores de uma "ciência imperial", e outros epítetos do gênero? Não são eles que se supõem moralmente superiores aos intelectuais de outras tendências de pensamento, conforme tenho demonstrado nos meus textos? No entanto, Saliba acredita que sensacionalista é Narloch. Sei...

Mas, se o sentido dado à palavra "sensacionalismo" não fica claro na entrevista, de outro lado é bem explícito que Saliba acusa o jornalista de fazer interpretações históricas maniqueistas e superficiais. O problema é que o Guia foi escrito justamente para combater esse tipo de interpretação, já que, como escreve Narloch, um dos seus objetivos foi mostrar a história como "uma novela sem mocinhos". E é exatamente isso o que a obra faz, por exemplo, quando revê o papel do índio na história brasileira.

De fato, os estudos citados por Narloch demonstram que o índio teve realmente um papel histórico bastante ativo. Só que esse papel, ao contrário do que dizem os politicamente corretos, não se exerceu por uma resistência aos brancos fundada numa incompatibilidade absoluta entre os modos de vida nativos e os estrangeiros, mas sim por meio de alianças que uniam grupos de brancos e índios contra outras coalizações de brancos e índios. A população nativa não foi exterminada, quem mais matou índios foram os próprios índios, e a cultura dos brancos não se impôs unicamente pela força. O que houve foi uma série de alianças mutáveis entre brancos e índios que levavam a conflitos armados por terras e também a influências culturais mútuas. Assim, os nativos selecionavam ativamente o que lhes interessava (como artefatos de ferro) e ainda eram capazes de fazer valer alguns dos seus usos e costumes. Vê-se isso na tradição tupi de usar o casamento como forma de estabelecer alianças que vinculavam a troca de mercadorias à prestação de serviços entre pessoas unidas por laços de parentesco, a qual valia para as alianças com os europeus.

Todavia, o senhor Saliba deixa de lado o esforço permanente do Guia para desmontar as interpretações que opõem dicotomicamente brancos, estrangeiros e latifundiários aos índios, negros e pequenos agricultores e ainda acusa o livro de fazer justamente o que os historiadores críticos fazem. Nada surpreendente, pois todo aquele que acusa os intelectuais críticos de trabalharem com oposições simplistas e maniqueístas acaba sempre sendo acusado de fazer o que eles fazem. Eu mesmo já passei por isso, como se pode ler aqui.

Mas a desonestidade da crítica ao livro de Narloch não para por aí, conforme vou mostrar em outro post.

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SALIBA, Elias Thomé. Conhecimento não é monopólio acadêmico. História Viva, São Paulo, ano VIII, n. 90, p. 16-18, 2011.
OBS.: Publicado originalmente em 30 de abril de 2011 no site Geografia em Debate.




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