O eterno estudante
Geografia

O eterno estudante



As exigências aumentam, o emprego encolhe


O eterno estudante*
Tatiana Americano
Engana-se quem acha que a vida de estudante chega ao fim com a formatura. O diploma garante apenas o primeiro emprego. A permanência no mercado dependerá de reciclagem constante

O publicitário Ulisses Mendes Soares, gerente de produtos da AIG Seguros, é um eterno insatisfeito com sua formação. Desde que se graduou pela Universidade Federal de Minas Gerais, fez dois cursos de pós-graduação, um em marketing e outro em finanças, concluiu dois cursos de idiomas no exterior e tem planos para um master in business administration nos Estados Unidos. Apesar do que sua preocupação em estudar pode insinuar, Soares, de 28 anos, não está preocupado em manter o emprego que conseguiu recentemente. Seu propósito vai além. Ele quer estar empregável. Em outras palavras, quer qualificar-se e atualizar-se para o dia em que for demitido ou decidir pedir demissão. E, caso isso não ocorra, estará se credenciando a ocupar os postos mais disputados da companhia em que trabalha.

A maior parte dos jovens que deixam a faculdade acredita que se tornará apta a encontrar um bom emprego apenas fazendo um curso de computação. Erro imperdoável esse. Só integrará aquela minoria com rendimentos acima da média quem conseguir copiar o estilo Soares de vida. É como se existissem dois hemisférios no planeta Emprego. De um lado, estão os profissionais que sabem muito e são literalmente caçados pelas empresas. De outro, todos os demais. Ou seja, aqueles que até têm trabalho (por enquanto), mas não garantiram a obtenção de uma nova vaga em caso de demissão. Em geral, a empregabilidade só costuma preocupar quem sofreu algum sismo na vida profissional, como a perda do emprego, a promoção preterida. O certo é se movimentar já, como forma de evitar surpresas desagradáveis.

Nos Estados Unidos, mais da metade da força de trabalho está empregada em funções que não existiam dez anos atrás. Numa economia com características mais americanas que européias, como a brasileira, o mesmo vai acontecer no mercado local. Se o país começar a crescer a taxas de 4% ou 5% ao ano, o processo de substituição de tecnologia causará uma onda de desemprego tecnológico, compensado pela geração de uma leva de novos postos. Ganha quem conseguir adaptar-se à mudança. A empregabilidade envolve uma discussão relativamente chata porque já foi difícil (e extremamente cansativo) estudar durante quinze anos. Em seguida, veio a luta pelo primeiro emprego, que também é uma pedreira. Quando parecia ser possível respirar um pouco, o mercado avisa que vai selecionar quem se recicla e mandar embora os outros. Os especialistas em recursos humanos estão acostumados com uma natural reação de desânimo por parte dos jovens, que ficam com a impressão de que aqueles anos de estudo pouco ou nada valeram. Para quem cair na tentação de pensar assim, um alerta: conceitos de gestão e de administração e técnicas de venda superam-se tão rapidamente quanto a tecnologia. Valores em voga há dez ou quinze anos hoje parecem ser tão envelhecidos quanto escrever farmácia com "ph".

Investir na reciclagem significa possuir disciplina e bom senso para montar uma agenda razoável. Não se recomenda a ninguém que estude feito maluco, sob pena de ficar estressado e transformar a vida num pesadelo. Novamente se deve observar o caso do publicitário Soares. Além de estudar, ele arruma tempo para praticar mergulho, ir ao cinema e ao teatro, namorar, ler, sair com os amigos. Tão importante quanto desenvolver habilidades objetivas, quem se recicla passa um recado muito positivo para as companhias. Como o bem maior do capitalismo na virada do século é o conhecimento, aquele que estuda avisa ao mercado que continua ávido por conhecer e inovar. "Um empregado que não se aprimora está dizendo à empresa que não tem ambição", afirma Dárcio Crespi, sócio da Heidrick & Struggles, consultoria internacional especializada em recrutamento de executivos. "E pessoas estacionadas não têm mais espaço na economia."

Tatiana Americano é jornalista.

*Matéria publicada na Revista Veja (sua carreira), número 1, ano 2000, Editora Abril.




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