Na 'selva' do mercado de trabalho, vale a lei do mais forte
Marlucio Luna
O mundo do trabalho sofre modificações em ritmo cada vez mais acelerado, por conta das transformações tecnológicas e da globalização, entre outros fatores. É tudo tão novo, e tão complexo, que não há como "planejar o futuro profissional" da mesma forma como as gerações anteriores. O mercado fica mais competitivo a cada dia, tanto entre empresas quanto entre os candidatos a um emprego. A força de trabalho mundial é de cerca de quatro bilhões de pessoas, sendo que mais de um bilhão realiza trabalhos temporários e quase 200 milhões estão desempregadas. Em 1998, a média de tempo que um trabalhador permanecia desempregado no Brasil era de 5,8 meses. Em 2001, subiu para 11,7 meses. As pessoas continuam sendo substituídas por máquinas, ou acumulando funções. Aos que permanecem trabalhando, é exigido que se compreenda cada vez mais o que acontece na empresa. Os funcionários são orientados a fazer cursos e a ocupar novas funções. Fora isso, a concorrência mundial vem fazendo com que grandes companhias se unam, o que acaba levando a um enxugamento da folha de pessoal.
O Brasil também tem sido palco constante de fusões, "fabricando" megacorporações, cuja primeira providência é diminuir ao máximo o número de funcionários. Outra possível conseqüência das fusões é a criação de cartéis, pesadelo dos concorrentes de menor porte - reduzindo os níveis de emprego. Segundo os resultados de uma pesquisa da Secretaria do Trabalho da capital paulista, o desemprego na faixa dos 18 aos 24 anos atinge 30% dos brasileiros, sendo que nas regiões metropolitanas os jovens trabalhadores são os mais vulneráveis.
Toda essa nova ordem na economia e no mundo do trabalho tem mais defensores do que detratores, o que não torna a situação mais palatável, visto que nenhum deles admite a existência, de imediato, da tendência de as empresas aumentarem a oferta de empregos. Por outro lado, os especialistas apontam novos caminhos, baseados especialmente numa das qualidades mais valorizadas na atualidade: o empreendedorismo, ou seja, a qualidade de quem é capaz de identificar no ambiente em que vive novas oportunidades e criar novos negócios ou inovar um já existente. Mas ainda não estamos num estágio em que a maioria dos jovens saiam da escola já aptos a se tornarem empreendedores.
Para Gilnei Mourão Teixeira, professor de Gestão de Recursos Humanos e Relações do Trabalho da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o importante é agir de acordo com a nova realidade. Ele cita como exemplo a taxa de desemprego no Brasil, que é de 6,3%, e seria relativamente cômoda, se comparada com alguns países de primeiro mundo: 11% na França; 10% na Itália e 9% na Alemanha. "A falta de proteção ao desemprego é que é o grande problema do Brasil. O brasileiro precisa de proteção social ao desemprego", diz.
Menos otimista, Ricardo Antunes, professor titular de Sociologia do Trabalho da Unicamp,vê o trabalhador herdando somente a parte ruim da história, por causa do aumento das exigências e o crescimento do desemprego ou, pelo menos, a ameaça constante de ficar fora do mercado de trabalho. "Como cada vez mais as empresas reduzem o trabalho vivo, ampliam o maquinário técnico-científico, criam novos mecanismos de gestão, geram uma massa de trabalhadores descartáveis - terceirizados ou desempregados. Elas desempregam e dizem que o trabalhador não tem 'empregabilidade', ou seja, qualificação para ficar no emprego. Mas é falso. A empresa diz: 'Você foi despedido por sua culpa'. Mas a culpa é do sistema, que tem na sua lógica a exclusão", sentencia.
O termo empregabilidade - que é a capacidade de tornar-se empregável através de um conjunto de conhecimentos e habilidades - está na ordem do dia, e mais uma vez há controvérsias entre o que há de positivo nessa exigência do mercado. As empresas agora esperam dos empregados constantes atualizações. "Estamos caminhando para a generalização do conhecimento, sendo nivelados. O que vai diferenciar? Mostrar os talentos e saber colocar-se para todos verem", comenta Leyla Maria Felix Nascimento, diretora da seção Rio da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-Rio) e superintendente-executiva do Centro de Integração Empresa Escola (CIEE) no Rio de Janeiro.
Para o professor da FGV, mesmo com a ameaça de desemprego, a instabilidade e o alto grau de informalidade - o trabalho sem a proteção da previdência social -, por outro lado é oferecida agora ao trabalhador uma série de oportunidades: novas formas de organização do trabalho, como a atuação em equipe e equipes multifuncionais; valorização das competências; exigência da multifuncionalidade e da interdisciplinalidade, estendendo o conhecimento das pessoas para campos correlatos. "Tudo isso proporciona maior autonomia e realização profissional", defende Mourão.
Porém todas essas exigências não garantem o emprego. "Se, hipoteticamente, todos se tornassem empregáveis, haveria ainda uma grande massa desempregada", ataca o professor Antunes. Já Mourão pondera, dizendo que, mesmo que todos tenham o mesmo treinamento, sempre haverá os mais competentes. Mas o medo do desemprego leva a um excesso por parte das empresas, conforme analisa o professor da Unicamp: "O indivíduo se exaure para fazer vários cursos. Às vezes, a empresa faz exigências dispensáveis. O ser humano cultua um trabalho cada vez mais fragilizado nas conquistas trabalhistas."
Quais seriam as armas dos jovens para enfrentar esse novo mundo do trabalho? Segundo executivos, gerentes de recursos humanos de grandes empresas e os estudiosos do assunto, o trabalhador do século 21 precisa investir na chamada valorização de suas competências e habilidades. Através de orientação profissional, o jovem deve descobrir sua vocação e, conseqüentemente, sua missão profissional; estar apto a manter-se sempre atualizado; gostar de vencer desafios; aprender a ver a empresa como um todo; e trabalhar a liderança de forma ética. Outras exigências do mercado de trabalho são o domínio de línguas estrangeiras (o mercado é globalizado) e da tecnologia da informação; a manifestação explícita de uma atitude empreendedora; e o desenvolvimento do marketing pessoal. "É preciso saber trabalhar o mais importante produto do mundo, que é você", diz Thomas Case, fundador do Grupo Catho, uma das maiores consultorias na área de Recursos Humanos do país.
O empreendedorismo é um dos novos focos das grandes empresas. A Shell e o Instituto Dialog instituíram o projeto Iniciativa Jovem, para quem tem uma boa idéia na cabeça e a disposição para ter seu próprio negócio - de preferência, valorizando o meio onde vive. "Investir no próprio negócio é uma saída, acaba aquecendo o mercado e criando novas dinâmicas. As empresas precisam de fornecedores locais, que entendam a perspectiva local. Por outro lado, as pessoas devem buscar nichos que ninguém ainda viu. E o intercâmbio pode atravessar fronteiras. Esse é um lado positivo da globalização", analisa Simone Guimarães, gerente de Desenvolvimento Sustentável da Shell.
Neste mar de exigências, um alento para os mais novos: as empresas estão cada vez mais receptivas aos jovens, aumentando a oferta de vagas para estagiários e trainees. "Em 40 anos de CIEE, nunca vivemos um tempo tão bom nesse aspecto. O empresariado finalmente vê que o talento do jovem é importante. Há mais de três milhões de jovens brasileiros ocupando vagas de estagiários e trainees", revela Leyla.
Para quem ainda não se decidiu por qual caminho seguir, os especialistas apontam as profissões que têm tendência de crescer mais: as áreas de lazer, como turismo e hotelaria; direito internacional; relações internacionais; medicina reparadora; web designer; personal trainer; publicidade e grande varejo.
E o jovem de baixa renda, como pode tornar-se "empregável"? "Todos os desafios passam pela mudança ao pensarmos sobre que escola pública que queremos. As alternativas do jovem pobre para driblar o desemprego são a economia informal e aquelas ligadas ao crime, porque são rentáveis e se expandem pela ausência de estado, de políticas públicas e pela subordinação à globalização", alerta Ricardo Antunes. Thomas Case, por sua vez, aposta no ajuste do mercado livre: "Existe emprego para todos: o salário é que muda. Há contadores que ganham R$ 5 mil e outros que ganham R$ 500. O mercado livre sempre se ajusta e se equilibra", ressalta.
Mas será que o jovem oriundo das camadas populares está fadado a ocupar funções cuja remuneração é inferior? Para Simone Guimarães, a iniciativa é a grande diferença: o jovem não deve pensar a curto prazo, e investir no que acredita. Porém sua vontade tem que o levar, de alguma forma, a conseguir ter acesso ao mundo da informática, ferramenta básica para a construção de relacionamento em todos os níveis. A voz discordante é de Ricardo Antunes: "O domínio da informação é decisivo, seja para interagir com o mundo ou preservar o trabalho. Mas imaginar que o mundo seria mais feliz por todos saberem mexer em computador é uma visão eurocêntrica, sendo que dois terços da humanidade está no terceiro mundo."
Marlucio Luna é editor do projeto Século XXI. SME-RJ
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