Por que o MST pariu o MTST: nada a ver com utopia
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Por que o MST pariu o MTST: nada a ver com utopia


O Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto - MTST foi fundado em 1997, bem no meio da forte escalada de invasões de propriedades rurais promovida pelas organizações de "sem-terra" na segunda metade da década de 1990. O MTST possui organização e métodos em tudo similares aos do MST, sendo apontado como o "braço urbano" desta última organização: se o MST é uma indústria de invasões de propriedades rurais, o MTST é uma indústria de invasões de terrenos urbanos (aqui).

Para os marxistas e outros teóricos críticos que pesquisam o agro ou o planejamento urbano, organizações desse tipo são evidências de que a instituição da propriedade privada estaria sendo posta em xeque por "movimentos sociais" que, no campo e na cidade, expressam necessidades objetivas e subjetivas da população às quais o Estado não consegue responder adequadamente dentro da ordem capitalista (Diniz Filho, 2013). Mas a verdade é bem outra. 


Com base em sua longa experiência no estudo e implementação de políticas de reforma agrária, Xico Graziano (2004) vem há tempos alertando que o fracasso monumental dessa política reside, entre outros, no fato de que a principal motivação que impele famílias pobres para acampamentos e assentamentos não é o desejo de possuir terra para plantar, mas o interesse em obter moradia. Essa visão está de pleno acordo com as pesquisas relacionadas ao "projeto rurbano". Esses trabalhos demonstram que as propriedades de agricultores familiares, sobretudo no Sul e Sudeste, tendem a deixar de ser unidades de produção agrícola familiar para se converterem na base espacial de reprodução de famílias rurais pluriativas, ou seja, que tiram seu sustento da combinação da agricultura com a renda (em geral, superior) obtida com empregos em atividades não agrícolas (trabalho doméstico, construção civil e outros). E eu mesmo já orientei dois estudos de caso que corroboram tais conclusões (ver aqui e aqui).

Nesse sentido, não surpreende nem um pouco que os métodos e organização do MST tenham sido reproduzidos no espaço urbano e que as primeiras invasões realizadas pelo MTST tenham ocorrido na Grande São Paulo e pequenas cidades do interior paulista. Os assentamentos de reforma agrária se concentram na Amazônia e os invasores do Centro-Sul estão atrás de moradia e de assistencialismo. Por essa razão, a eficácia da estratégia de invasão de imóveis urbanos, assim como a de invasão de propriedades rurais, será maior ou menor a depender do grau de indulgência (ou até da conivência) do poder público. É o que está ocorrendo agora na capital paulista, em que a prefeitura tem privilegiado os invasores organizados pelo MTST na concessão de moradias pelo programa Minha Casa, Minha Vida. 

E a ação civil movida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo contra a prefeitura petista da capital mostra que a lógica por trás das invasões é puramente política e clientelista: quem invade terreno e participa de assembleias e passeatas é indicado pelos líderes do MTST para que a prefeitura o ajude a ganhar a casa antes dos que não invadem, ao passo que o governo municipal espera ser recompensado com mais votos na campanha pela reeleição (ver aqui). 

As demandas dos invasores são objetivas, pontuais e imediatistas, podendo ser atendidas pelo Estado dentro da ordem capitalista mesmo. Se as políticas públicas executadas para tanto sequem princípios republicanos ou são pautadas pelo clientelismo político, é algo que depende do governo de turno. Absolutamente nada a ver com a conversa mole de intelectuais e de partidos radicais que proclamam a necessidade de "reforma agrária ampla e massiva" e de realizar a "utopia do Direito à Cidade" (Diniz Filho, 2013).

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DINIZ FILHO, L. L. Por uma crítica da geografia crítica. Ponta Grossa: Editora da UEPG, 2013.

GRAZIANO, X. O carma da terra no Brasil. São Paulo: A Girafa Editora, 2004.




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