O Projeto de Lei relatado por Vacarezza revoga mais de 200 dispositivos legais, entre leis, decretos-leis, emendas, artigos de leis, e todos os artigos da CLT, substituindo tudo por 1692 artigos, em 423 páginas.
Virou moda afirmar que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é a culpada pelo desemprego no Brasil. Acusam a CLT de conceder direitos demais aos trabalhadores e engessar as relações de trabalho. O monopólio dos meios de comunicação repete todos os dias, como um papagaio viciado, que a flexibilização dos direitos trabalhistas é a solução para tirar o país do atraso.
E pior, ainda prometem que com a reforma trabalhista haverá mais crescimento econômico. Só se esquecem de dizer que este crescimento traz benefícios apenas para os próprios capitalistas. Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-econômicos (Dieese), no primeiro semestre de 2007, os seis maiores bancos brasileiros tiveram alta de 13,9% dos lucros em relação ao ano passado. O Bradesco teve o maior lucro da história e o Banco do Brasil aumentou seus lucros em mais de 80%. Mesmo assim, os bancários tiveram que fazer greve para conseguir reajuste salarial.
Para o professor da Universidade de São Paulo, João José Sady, a CLT foi criada como instrumento para impedir os trabalhadores de construir seus poderes (sindicatos livres) e impor pela força da greve e da negociação, melhores condições de trabalho. Neste sentido, o código de 1943, época da ditadura varguista, foi obrigado a instituir algumas garantias mínimas aos trabalhadores.
Mas hoje, mesmo estas garantias mínimas são objeto de cobiça da burguesia. Por isso é que organizações sindicais classistas, trabalhadores e estudiosos como o Prof. Sady defendem que a CLT deve permanecer intocada em seus pontos essenciais — os que são benéficos aos trabalhadores —, funcionando como barreira de resistência contra a precarização e flexibilização.
O projeto de lei 1987/2007, que revoga toda a CLT não foi divulgado por rádios, tvs ou jornais impressos, como foi, por exemplo, o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). Desde que Lula assumiu a gerência do Estado, uma de suas maiores metas é realizar a reforma trabalhista. Mas como as reformas da previdência e da universidade tiveram uma grande repulsa da sociedade, a intenção do governo é fazer a reforma sem dizer que está fazendo. Esta é a opinião do presidente da Abrat, Luiz Salvador:
— O governo, ao que me parece, está se aproveitando de um pretexto para fazer aquelas alterações que não tem coragem de encaminhar ao Congresso por causa das críticas que possivelmente sofrerá da sociedade.
O PL 1987/2007, traz profundas modificações na CLT. É o que afirma o presidente da Abrat:
— Nós constituímos uma comissão de juristas da ABRAT para verificar o que significava esse projeto e nos assustamos ao ver que ele revogava toda a CLT. Além de trazer uma grande quantidade de novas regulamentações, muitas das quais extremamente prejudiciais aos trabalhadores.
— No projeto, eles mentem dizendo que estão apenas fazendo uma consolidação da consolidação das leis do trabalho, sem prejuízos ao trabalhador e isso não é verdadeiro. Eles trazem diversas alterações prejudiciais aos trabalhadores e para agravar mais a situação, concederam um prazo exíguo de 30 dias [ prazo que acabou em 30 de novembro] para a sociedade se manifestar sobre o projeto — continua o advogado.
Luiz Salvador ainda alerta para outros perigos:
— O Projeto abre para os parlamentares apresentarem propostas de emendas. Parlamentares que são eleitos com verbas de empregadores e que têm interesse de atender, não o interesse dos trabalhadores e do país, mas o do financiador da sua campanha. Começamos a ouvir o que diziam diversos governantes. O presidente da Câmara é favorável a fazer a reforma trabalhista e o presidente da República também, por diversas vezes, se manifestou favorável a fazer a reforma trabalhista. Bem, se vamos abrir um projeto desse tamanho para os parlamentares apresentarem proposta nós imaginamos o ‘Frankenstein’ que poderá vir.
Na tentativa de barrar este Projeto de Lei, o Congresso Brasileiro de Advogados Trabalhistas, realizado em Recife, entre 30 de outubro e três de novembro deste ano, aprovou por unanimidade o pedido de retirada e arquivamento do Projeto, entendendo que ele traz sérios riscos ao trabalhador, no que se refere à precarização das relações de trabalho e flexibilização de direitos trabalhistas. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho também pediram a retirada do projeto, mas não foram atendidos.
Para o presidente da Abrat, o projeto é golpista:
— Dizemos que o projeto é golpista porque ele está mexendo na legislação jurídica do país, colocando em seu lugar uma legislação que está voltada para o interesse comercial e financeiro, numa vertente do direito privado.
E ele continua:
— Corremos o risco de ter uma legislação "Frankenstein" regulando as relações de trabalho, que já estão precarizadas. O que nós queremos é uma legislação de avanço, onde o trabalhador não seja considerado descartável, mas um sujeito de direitos, que ele tenha trabalho digno, só que não é isso que estamos vendo com esse projeto que visa apenas o interesse do capital, da maximização dos lucros.
Uma das maiores críticas ao projeto é o estímulo às negociações diretas entre patrões e empregados, o que é na verdade a prevalência do negociado sobre o legislado. Em vários artigos este dispositivo está dissimulado.
— Até agora todo acordo só tinha validade se fosse feito por sindicato coletivamente, mas não acordo individual. O trabalhador diante de um mercado de trabalho excludente, que não assegura emprego, não tem como se opor ao empregador. Se não assinar o que vem, ele corre o risco de ficar desempregado. Uma proposta deste tipo, a nosso entender, é uma proposta absurda.
— E como uma situação onde o negociado tem prevalência sobre o legislado vai ficar num mundo onde as pessoas não têm mais emprego? Hoje, você pega as negociações coletivas e mesmo com os sindicatos mais fortes a gente vê o elevador descendo para o andar de baixo. Somos defensores da prevalência do legislado sobre o negociado. O negociado tem que ser para melhorar, para prever mais dignidade ao trabalhador, assegurando aqueles direitos mínimos e não flexibilizando e precarizando como está pretendendo este projeto.
O advogado completa:
— Por exemplo, na questão da jornada, se autoriza uma jornada maior que 8h dependendo apenas de um acordo individual. Também é direito do trabalhador ter folga no dia em que todos têm. E esse dia é o domingo. O que adianta o trabalhador trabalhar domingo e pegar folga na quinta, quando a mulher está trabalhando e os filhos estão na escola? Mas agora tem o art.64, que autoriza a abertura do comércio varejista aos domingos apenas atendendo a uma exigência técnica da empresa.
Para Luiz Salvador, esta reforma trabalhista dissimulada na consolidação da CLT mostra que, para o governo, a prevalência está no interesse dos patrões, das "normas técnicas" e não na saúde do trabalhador e de um interesse social mais abrangente.
O advogado também chama a atenção para outras perdas que este Projeto de Lei impõe aos trabalhadores:
— Nessa nova CLT, o registro de horário pode ser feito eletronicamente. Até hoje nós defendemos a inversão do ônus da prova. Hoje, quando o trabalhador vai discutir as horas extras tem que provar que trabalhou além do que está marcado no cartão de ponto. Com o controle eletrônico, nós sabemos que este controle por computador é passível de fraude, já que ele pode ser programado.
A Abrat constituiu uma comissão de juristas para estudar a nova CLT. Todos são unânimes em apontar as perdas que os trabalhadores terão com a nova lei.
A Dra. Sílvia Márcia Nogueira, advogada, Prof. universitária e diretora da ABRAT, alerta:
"Não ao PL 1987/2007 que, apesar das promessas de não revogar direitos já assegurados aos trabalhadores, na verdade flexibiliza, precarizando direitos já consagrados e dentre outros. (...)
No art. 5º querem acabar com o sobreaviso. Nos contratos de trabalho por obra certa o construtor apenas está obrigado a anotar a carteira do empregado se ele, o construtor, exercer a atividade em caráter permanente. Quebra-se o paradigma, com o projeto o exercício eventual da atividade é do empregador, e o risco do exercício dela é que fica com o empregado. Os sindicatos e cooperativas é que terão por missão proceder a anotação de carteira nas empreitadas, retira-se a responsabilidade do contratante (com ou sem fiscalização dele).1"
O jurista Sidnei Machado, também diretor da Abrat e professor universitário, alerta para o risco que representa a nova CLT, no contexto internacional de retirada de direitos.
"Realmente o projeto de reforma trabalhista aparece num momento perigoso, (...) mas, sobretudo pelo novo debate que começa a ganhar força na Europa. Vem aí com toda força a nova palavra de ordem "flexiseguridad. 1"