Apenas alguns dias após a imprensa divulgar o que seria uma decisão da presidenta Dilma Roussef - de não fazer uma reforma da previdência - o próprio governo tratou de vir à público dizer o que pretende fazer nessa área (Folha de São Paulo, 21/01). E não são boas as medidas anunciadas.
O governo vai apresentar, como parte de uma reforma Tributária que pretende fazer, um conjunto de propostas visando “desonerar a folha de salários” das empresas. Eufemismos à parte, as propostas vão da diminuição da alíquota paga pelas empresas sobre a folha de salários para financiamento da previdência social para algo em torno de 14% (hoje esta alíquota é de 20%). Além disso, o governo pretende simplesmente eliminar o “salário educação”, que hoje as empresas pagam (2,5% sobre a folha de salários). Trata-se de um crime contra a previdência social pública e contra a educação pública em nosso país.
O argumento é o mesmo de sempre, “isso ajudaria a aumentar o emprego formal no país”. A fábula que pretendem vender ao povo é a seguinte: ao pagar menos impostos ao Estado, os empresários vão contratar mais trabalhadores com carteira assinada. Algumas autoridades chegam a falar que, no futuro, isso até aumentaria a arrecadação da previdência, porque cresceria muito o número de trabalhadores com carteira assinada.
No entanto, muito diferente deste conto de fadas, todos nós sabemos, e as autoridades do governo também sabem, que os empresários vão usar estes recursos que deixarão de recolher para o Estado simplesmente para aumentar os seus lucros. Não se trata de uma opinião, é uma constatação. A desoneração da folha de salários e outras modalidades de “simplificação” e “diminuição dos custos” da contratação de trabalhadores já foi aplicada em muitos países (México, Espanha, etc). Em todos eles o desemprego cresceu. Desafiamos o governo a apresentar algum estudo com um mínimo de seriedade, em um país que seja, onde este tipo de política tenha aumentado o emprego.
Na verdade este tipo de medida serve apenas para aumentar o lucro das empresas. E é esta a razão pela qual o grande empresariado pressiona tanto o Brasil a adotá-las. E estamos falando de empresas cujos lucros cresceram mais de 400% nos últimos anos, entre outras razões, também porque o custo do trabalho (salários, direitos trabalhistas e benefícios sociais, previdência inclusive) é muito baixo em nosso país.
Por outro lado, estas medidas anunciadas tratam justamente de diminuir os recursos voltados para a garantia de políticas sociais e para diminuir a pobreza (previdência e educação). O contraste com as promessas eleitorais da candidata Dilma é inevitável.
Se o governo quer, a sério, aumentar o número de empregos com carteira assinada, sugerimos duas medidas: Em primeiro lugar deve fazer concurso e contratar mais Auditores Fiscais do Trabalho assegurando fiscalização em todas as empresas. Atacando a fraude trabalhista, amplamente praticada no país pelas empresas, sem dúvida aumentaria o número de empregos formais, entre outros benefícios para o Brasil e para os trabalhadores. E em segundo lugar poderia determinar a redução da jornada de trabalho sem redução salarial, gerando mais postos de trabalho e melhorando a qualidade de vida dos trabalhadores.
Somos contra estas medidas. Não há compensação possível
A mesma matéria publicada na imprensa que divulga as propostas do governo, informa também que haveria “resistência” de Centrais Sindicais que estariam exigindo “compensações” para concordar com as medidas. O jornal não informa quais seriam estas centrais sindicais, mas não é difícil imaginar quais seriam.
A CSP-Conlutas não aceita as medidas anunciadas pelo governo, nem concorda com esta lógica de pedir compensações. O que o Brasil e os trabalhadores precisam é de fortalecimento da previdência social pública e da educação pública. E nada disso existe sem aumentar os recursos envolvidos no financiamento destas políticas sociais. Aumentar, não diminuir, como pretendem estas medidas que o governo pretende aprovar.
As centrais sindicais não têm o direito de agir com esta ligeireza. Precisam apontar as contradições do governo e chamar a que os trabalhadores se preparem para a mobilização, para pressionar o governo e o Congresso Nacional para defender a previdência social pública.
Não faz muito tempo o presidente Lula vetou a medida aprovada no Congresso Nacional que acabava com o Fator Previdenciário. A alegação do governo, da qual Dilma Roussef fazia parte, era a de que a previdência social não tinha recursos para bancar aquela medida. Alegavam que o fim do Fator Previdenciário aumentaria os gastos da previdência social em cerca de 10 bilhões de reais por ano.
Pois bem, agora o governo Dilma propõe essa medida que vai diminuir a arrecadação da previdência social. Se tomarmos apenas a redução da alíquota que seria aplicada na primeira fase da implantação dessa medida (de 20 para 18%), a previdência social perderia 9,2 bilhões por ano. Quando aplicada toda a redução, a previdência perderia mais de 27 bilhões de reais por ano. Ora, se o governo acha que é possível a previdência abrir mão destes valores, porque então não pode acabar o Fator Previdenciário? Usar recursos da previdência para melhorar a vida dos trabalhadores, para aumentar os valores dos benefícios não pode, mas usar estes recursos para aumentar o lucro das empresas pode?
Todos nós sabemos o que vai acontecer, se estas medidas forem aprovadas. Aumentará o sucateamento da previdência social, mais medidas serão tomadas para dificultar o acesso dos trabalhadores à aposentadoria, para diminuir o valor dos benefícios, para dificultar ainda mais aos trabalhadores acesso aos benefícios da previdência social de forma geral (para além das medidas que já foram adotadas, como a alta programada, etc). E tudo isso é inaceitável.
O que trabalhadores e aposentados querem da previdência social é o aumento das aposentadorias, recompondo o mesmo valor em salários mínimos de quando foram concedidas; acabar com o Fator Previdenciário; e revogar todas as medidas adotadas para dificultar o acesso dos trabalhadores aos benefícios da previdência social, como a Alta Programada e um longo “etcetera”.
Salário mínimo e Servidores Públicos na berlinda
E não é só a previdência que preocupa neste momento. Enojado, o povo brasileiro está assistindo ao debate sobre o reajuste do salário mínimo que é feito pelo governo e Congresso Nacional, em contraste com o aumento recebido pelos salários dos parlamentares e autoridades do executivo. Os mesmos parlamentares que deram aos seus próprios salários um aumento de 63% no apagar das luzes do ano passado querem agora aprovar um reajuste para o salário mínimo beirando 6%. Quem ganhava 16 mil reais por mês recebe um aumento de 10 mil reais no salário. Quem ganhava 510 reais receberá 35 reais de aumento.
A presidenta da república e ministros aceitaram de bom grado o aumento de 132% que o Congresso Nacional aprovou para seus salários. Agora, do alto da sua arrogância, dizem que não se pode aceitar um aumento maior para o salário mínimo. Dizem que o país não tem recursos para isso. Para aumentar o salário da presidenta e dos ministros, de cerca de 12 mil reais para quase 27 mil reais por mês, aí sim, o país tem recursos. Beira o cinismo.
O Brasil vai gastar, com o aumento dos salários dos deputados, dos ministros e da presidenta da república, mais de 800 milhões de reais por ano. Uma soma superior aos cerca de 760 milhões de reais que o mesmo governo anunciou que o país vai investir para a prevenção de desastres como o que matou cerca de mil pessoas só na região serrana do estado do Rio. Diz muito sobre a natureza destas autoridades.
É esta mesma lógica na utilização dos recursos públicos que leva o governo a investir contra os servidores públicos, descumprindo acordos feitos, tentando aprovar no Congresso Nacional medidas como a que congela seus salários por 10 anos, que autoriza a demissão de servidores públicos, e que restringe seu direito de greve. O mesmo governo que defende e quer aprovar estas medidas, argumentando necessidade de cortar gastos, já anunciou que pretende separar do orçamento o correspondente a 3% do PIB (mais de 100 bilhões de reais), para pagar juros aos banqueiros.
Ou seja, para melhorar o salário mínimo, valorizar o servidor público melhorando assim a qualidade do serviço prestado à população, para nada disso há dinheiro. Mas para repassar aos banqueiros, aí aparece mais de 100 bilhões de reais...
O que o Brasil precisa é de acabar com este “superávit primário” (dinheiro que vai para os banqueiros) e melhorar o valor do salário mínimo e investir na melhoria dos serviços públicos e na valorização dos servidores.
Direitos trabalhistas ameaçados
Por outro lado, aparece agora o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, um dos mais importantes da CUT, dizendo que prepara uma proposta de Projeto de Lei para mudar a legislação trabalhista, de forma a que venha prevalecer o que for negociado pelos sindicatos sobre o que está estabelecido na lei como direitos dos trabalhadores. Retoma-se assim a discussão aberta pelo governo FHC, que em seu segundo mandato tentou aprovar uma mudança no artigo 618 da CLT, assegurando a prevalência do negociado sobre o legislado.
Naquele momento conseguimos derrotar esta idéia. Ela volta agora, defendida por um dos principais sindicatos da CUT, expressão clara da mudança do papel que assume estes sindicatos que perderam sua independência frente ao governo e aos empresários.
Os defensores da idéia argumentam que ao ter mais liberdade para negociar, os sindicatos estarão mais livres para buscar vantagens para os trabalhadores nos acordos com as empresas. O argumento é tão singelo quanto sem fundamento. A legislação trabalhista e as regras atuais do sistema de negociação e contratação coletiva não impedem e nunca impediram o sindicato de negociar vantagens para os trabalhadores para além daquilo que está na lei. As restrições que existem (muito poucas restrições, é bom que se diga) são para impedir que se negociem acordos que rebaixem ou eliminem direitos que estão garantidos em lei. Não são opiniões, são fatos, basta ler a lei.
Dizer que a proposta só será implantada em um primeiro momento, nos sindicatos que sejam mais fortes, ou onde houver organização de base não resolve. Vivemos em um país onde não há proteção contra a demissão imotivada. O patrão pode demitir quantos trabalhadores e na hora que quiser, sem dar satisfação a ninguém. Isso dá a ele um enorme poder de pressão sobre os trabalhadores. Muitos sindicatos já viveram em determinadas circunstâncias a situação complicada de ter de enfrentar a pressão de um grupo de trabalhadores de uma determinada empresa em favor de um acordo rebaixando seus direitos, ou o seu próprio salário.
Porque ocorre isso? Porque a empresa ameaça demitir a todos, ou uma parte dos empregados, e com a chantagem leva os trabalhadores a aceitar suas imposições. Os direitos que são protegidos em lei contra qualquer rebaixamento via negociação coletiva (insisto, são poucos, muito menos do que deveria), estão nesta condição justamente para protegê-los dessa chantagem dos patrões. E esta proteção tem sido de enorme valia para os trabalhadores, principalmente em momentos de crise econômica, pois são nestes momentos que vem o desespero dos patrões para “reduzir custos”, leia-se eliminar direitos.
Não é razoável acreditar que os experientes dirigentes do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC desconheçam estes fatos. O que quer dizer que pretendem mesmo é criar condições para que possam ser negociados acordos que estejam por baixo daquilo que é definido em lei. É sabido que o procedimento preferido pelos empresários e governos do mundo todo, quando se trata de implantar a flexibilização, diminuição ou eliminação de direitos dos trabalhadores, é fazê-lo de forma negociada com as representações dos trabalhadores. É o que os técnicos da OIT chamam de “flexibilização autônoma”, ou seja, com a participação dos próprios trabalhadores (através de seus sindicatos). Diminui a resistência dos trabalhadores contra as medidas flexibilizadoras, e evitam o desgaste que os políticos teriam se tivessem de aprovar o fim deste ou daquele direito dos trabalhadores no congresso nacional, por exemplo. A isto se presta a proposta que o Sindicato do ABC está preparando.
Todas as questões colocadas acima, relacionadas à defesa da aposentadoria e da previdência social publica; defesa da valorização do salário mínimo, dos serviços e servidores públicos; defesa dos direitos trabalhistas, remetem ao desafio fundamental posto para os trabalhadores neste momento: preparar a luta para enfrentar estas medidas que se anunciam. É a tarefa principal a ser assumida pelas entidades e organizações que se reúnem neste dia 27 de janeiro em Brasília.
São Paulo, 21 de janeiro de 2011
Zé Maria, metalúrgico, integra a Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas