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O barbeiro é o transmissor da doença de chagas,
uma das que mais preocupam os pesquisadores (Foto: Wikimedia Commons) |
Rio de Janeiro ? Cerca de 500 mil pessoas, quase todas muito pobres,
morrem anualmente de 17 tipos de doenças tropicais negligenciadas pelas
autoridades nacionais e internacionais e pela indústria farmacêutica. A
informação faz parte do relatório Combatendo a Negligência, documento
lançado hoje (26) pela organização humanitária Médicos Sem Fronteiras
(MSF). Segundo o documento, é possível reverter esse quadro com
estratégias inovadoras de diagnóstico e controle, desenvolvidas ao longo
dos 25 anos de trabalho da organização na América Latina, África
subsaariana, Sul da Ásia e no Cáucaso.
O estudo foi apresentado durante o 18º Congresso Internacional de
Medicina Tropical e Malária e teve como foco o combate a três das
enfermidades com menos investimentos por parte de doadores
internacionais e dos países afetados: doença de Chagas, doença do sono e
calazar, enfermidades altamente tratáveis e curáveis e causadas por
parasitas Tritryps.
Para a consultora do MSF para doenças negligenciadas, Gemma Ortiz
Genovese, que coordenou a produção do relatório, não há desculpas para
que os governos não implementem e aumentem os programas e investimentos
em pesquisas para essas doenças que têm tratamentos obsoletos e ainda
não têm vacinas comercialmente disponíveis.
?Essas três enfermidades são sempre excluídas de financiamento para
pesquisa e desenvolvimento de novos medicamentos, porque alegam que é
muito caro e difícil tratar e que faltam ferramentas?, disse a
especialista.
?Nós demonstramos que essas três doenças matam as populações mais
pobres e podem ser tratadas. Esperamos, com esse relatório, que a
Organização Mundial da Saúde [OMS] reveja sua posição e influencie os
doadores a investirem mais em programas nacionais e em pesquisas para
combater essas doenças?, completou.
Das três doenças, a de Chagas é a única endêmica entre algumas das
populações mais pobres da América do Sul, sobretudo, na Bolívia e no
Paraguai. No Brasil, dados do Ministério da Saúde apontam que cerca de 5
mil pessoas morrem anualmente em decorrência da infecção causada pelo
parasita que é transmitido pelos mosquitos barbeiros. Cerca de 2 milhões
de brasileiros estão infectados com a doença de Chagas, embora 90%
desse total não tenham sido diagnosticados.
A técnica em doenças emergentes da MSF, Lucia Brum, explicou que o
governo brasileiro é pioneiro em pesquisa de doenças tropicais.
Entretanto, quando o assunto é diagnóstico e tratamento da doença de
Chagas, a atuação brasileira ainda é muito tímida.
?No Brasil só é obrigatória a notificação de casos agudos e o protocolo
nacional, do ponto de vista de saúde pública, diz que o tratamento só
deve ser oferecido a pessoas com infecção até 12 anos. Achamos que é um
direito humano ter acesso ao diagnóstico a esse tratamento, apesar das
limitações, efeitos adversos, complicações durante o tratamento que é
longo e com efeitos adversos?, disse a médica.
Segundo Lucia Brum, o Brasil enfrenta agora um novo desafio que é a
infecção por alimentos. ?Houve uma transição epidemiológica. A infecção
dentro das casas está controlada, mas o barbeiro passa a invadir fontes
alimentares, como o açaí e a cana-de-açúcar, por exemplo. E ainda existe
a transmissão congênita e por transfusão de sangue e transplante de
órgãos.?
Os medicamentos usados para o tratamento da doença de Chagas foram
desenvolvidos nas décadas de 60 e 70. Até o ano passado, o Laboratório
Farmacêutico do Estado de Pernambuco era o único fabricante de
Benzonidazol, principal medicamento para tratamento da doença de Chagas.
Recentemente, a Argentina passou a produzir o medicamento e o Brasil
começou a fabricar a versão pediátrica.
Segundo a Médicos Sem Fronteiras, os Estados Unidos e a Europa
recentemente se opuseram, na OMS, à tentativa de dar às inovações
médicas para doenças negligenciadas um novo caráter, que priorize os
pacientes nos países pobres.
?Não há interesse por parte da indústria de insumos médicos, pois essa
população afetada não tem poder aquisitivo para comprar esses remédios.
Cerca de 90% dos investimentos em pesquisa são em cosméticos e apenas
0,1% vão para as doenças negligenciadas que afetam 80% da população
mundial. Quando falamos de doenças negligenciadas, falamos de pessoas
negligenciadas. Por isso os governos precisam atuar mais para amplificar
os programas de prevenção e combate às doenças tropicais?, diz a
organização no relatório.
Edição: Lílian Beraldo
Agência Brasil 26.09.2012 - 15h16 | Atualizado em 26.09.2012 - 16h10
Direitos autorais: Creative Commons - CC BY 3.0