Clima de tensão não impede acampados de produzir alimentos e cuidar da educação das crianças (Foto: CPT/Divulgação)
Apesar da tensão diante das ameaças e da iminência de despejo, os acampados do João Canuto buscam uma organização que lhes garanta qualidade de vida e estabilidade no local. O acampamento é organizado em 35 pequenas quadras, com dez barracos de folhas de babaçu em cada uma delas. As ruas de terra batida são margeadas pelas hortas coletivas que os acampados construíram.
Plantações de gêneros alimentícios como mandioca, abóbora, arroz, mamão, tomate, melancia e mamão - cada vez mais escassos em uma região em que predomina a pecuária extensiva para corte - garantem parte da subsistência das famílias. As latrinas são desinfetadas com as cinzas que sobram dos fogões à lenha, e a água usada para beber, lavar roupa e cozinhar, é retirada de poços artesianos.
Os acampados também construíram uma escola de madeira, que atende a mais de 100 alunos de 1ª a 4ª série do Ensino Fundamental e da Educação de Jovens e Adultos (EJA). "Não acreditavam que voltaríamos a estas terras. Voltamos, e desta vez foi para ficar", promete Gera.
FogueiraEnquanto em João Canuto os trabalhadores recuperam a esperança de continuar com a terra, despejos violentos acontecem em acampamentos vizinhos. Em 4 de abril, a CPT do Alto Xingu, em nota pública, reproduziu o relato de um dos trabalhadores expulsos pela polícia da fazenda Terra Roxa, em São Félix do Xingu, Sul do Pará: "Eu vi tudo o que eles fizeram com nossos barracos, nossa produção, animais domésticos e as criações. Eles juntaram tudo com um trator, fizeram um monte grande com as nossas coisas, inclusive os animais, botaram fogo em tudo e passaram com o trator por cima de tudo, até dos animais."
A atual secretária de Justiça e Direitos Humanos do Pará, Maria do Socorro Coelho, conta que há denúncias de uso da polícia, não autorizado pela Secretaria de Segurança Pública, em ações de reintegração de posse. "Qualquer mandado judicial, para requerer força policial, tem que passar pelas mãos da Secretária de Segurança." Ela promete que as denúncias serão investigadas e haverá punições para quem descumprir a lei. "Nas reintegrações de posse, não podemos fazer uso da violência, nem sair destruindo os pertences."
Escravidão
As fazendas paraenses dos Quagliato ocupam 85 mil hectares e abrigam cerca de 150 mil cabeças de gado - um plantel tão grande que eles foram chamados pela revista Exame, em reportagem publiada em 2005, de os "Novos Reis do Gado". Apesar disso, não é apenas a pujança econômica que vem à tona quando se fala de sua presença no Pará.
Os irmãos Luís Fernando e Roque Quagliato já figuraram na "lista suja" do trabalho escravo - cadastro do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) onde constam pessoas e empresas que comprovadamente cometeram esse crime. Com base nessa relação, os produtores rurais ficam impedidos de obter créditos em instituições financeiras.
Em 1996, mesmo ano do massacre de Eldorado dos Carajás, um grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) encontrou 167 pessoas em situação análoga à escravidão na fazenda Rio Vermelho, onde hoje fica o acampamento João Canuto. Na mesma operação, 81 trabalhadores foram libertados na fazenda vizinha, a Colorado, que também pertence aos Quagliato.
A Repórter Brasil procurou Roque Quagliato, um dos representantes do grupo, mas a sua assessoria informou que ele está em viagem e só retorna no final do mês.
Carajás
Monumento aos 19 trabalhadores rurais sem-terra mortos após confronto com a Polícia Militar em 17 de abril de 1996 (foto: Leonardo Sakamoto)
Até hoje, ninguém foi efetivamente punido pelo massacre. Dos 155 PMs envolvidos na ação, apenas os dois comandantes foram condenados, mas recorreram. O coronel Mário Colares Pantoja e o major José Oliveira, que receberam sentença de 228 anos e 158 anos de prisão, respectivamente, respondem em liberdade.
Por conta do massacre de Eldorado dos Carajás, abril foi escolhido como o mês em que o MST realiza uma série de atos pela reforma agrária em todo o país. Neste ano, de acordo com a assessoria do movimento, houve manifestações em 14 estados.
Nesta terça-feira (17), quando a tragédia completa 11 anos, a governadora Ana Júlia Carepa (PT) se dirigiu ao local das mortes. Historicamente ligada aos movimentos sociais, ela anunciou medidas para beneficiar as vítimas do massacre e seus familiares, como pensões e assistência médica.
Ao mesmo tempo, o MST divulgou uma nota com sua pauta nacional de reivindicações. A desapropriação de terras improdutivas, maior esforço dos órgãos públicos para assentar as mais de 140 mil famílias acampadas no país e melhor assistência para os agricultores que já estão assentados encabeçam a pauta.
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Fonte: Agencia Reporter Brasil