Uma nota sobre Olavo de Carvalho
Geografia

Uma nota sobre Olavo de Carvalho


Ao comentar o post A culpa da nossa direita, um leitor fez indagações bastante interessantes sobre o intelectual conservador Olavo de Carvalho. Avaliei que essas perguntas mereciam uma resposta mais ampla, então resolvi escrever um pequeno texto a respeito. Vejamos:
Algo que me intriga bastante nesse contexto [da direita brasileira] é o filósofo (questionado enquanto tal, e louvado também) Olavo de Carvalho, que ora me parece lúcido e erudito, ora parece um teórico da conspiração e mesmo um fanfarrão, com afirmações sobre geocentrismo, relatividade, religião, políticas afirmativas e outras coisas completamente toscas. Perguntei isso há pouco em outro post (sobre o economicismo na geografia), mas creio que este aqui seja um espaço mais adequado, sobre o que acha deste autor? Pergunto pois ele é certamente uma das maiores forças e influências intelectuais conservadoras do país (embora viva fora), e as opiniões, positivas ou críticas, a respeito dele, raramente são equilibradas e sensatas como as suas.
Eu nunca li nenhum livro de Olavo de Carvalho. Mas já li diversos artigos publicados por esse autor na imprensa e também a ótima introdução que ele escreveu para o livro Como vencer um debate sem precisar ter razão, de Arthur Schopenhauer. Nesse texto, ele tenta resgatar a dialética como método para a demonstração da verdade, mas deixando claro, é óbvio, que não se trata da dialética hegeliana e marxista, mas sim da dialética como método que consiste no confronto de pontos de vista opostos.

Discordo dessa proposta do autor por entender que o confronto de argumentos, embora extremamente útil e necessário, limita-se a aprofundar e explicitar a estrutura lógica dos discursos sob avaliação, de modo a apontar incoerências e/ou insuficiências de premissas. Mas daí a demonstrar a verdade de um enunciado por meio apenas dessa confrontação, vai uma grande distância. É certo que na filosofia a validação dos enunciados depende sobretudo da coerência interna dos discursos, mas, justamente pelo fato de a filosofia trabalhar precipuamente com temas bastante abstratos, como teoria do conhecimento, ontologia e ética, disso resulta que o confronto de visões opostas não é suficiente para validar verdades filosóficas de forma objetiva. É por isso que, em filosofia, tudo é sempre muito discutível. No caso da ciência, então, nem se fala, pois a validação de enunciados científicos só é possível mediante observações empíricas em laboratório e/ou em pesquisas de campo, de sorte que a confrontação de discursos é só uma parte do trabalho a ser feito para avaliar criticamente os enunciados.

Discordâncias à parte, a leitura de textos como esse mostra que Carvalho é um autor inteligente, tem erudição, e argumenta bem. Ainda assim, minha avaliação sobre ele é basicamente a mesma que você faz, leitor. Ele produz textos brilhantes de crítica teórica e ideológica ao pensamento marxista e das diversas correntes de esquerda, mas suas ideias políticas se baseiam em teorias conspiratórias tão malucas que simplesmente não dá para levar a sério. É o caso quando ele diz que Bill Clinton era um agente comunista que trabalhava a soldo do governo chinês (sic!), mas que isso nunca foi provado porque este teria desarticulado os serviços de inteligência quando foi presidente dos EUA. Outra teoria doida é dizer que o Iraque tinha, sim, armas de destruição em massa, mas que elas não foram encontradas porque já haviam sido mandadas para outro lugar (qual?) antes da invasão americana... Nem Bush foi capaz de justificar a invasão com um argumento desses, preferindo reconhecer que, de fato, o Iraque não possuía armas nucleares coisa nenhuma, embora Saddam Hussein vivesse insinuando que as tinha.

Como é típico dos fabricantes de teorias conspiratórias, Olavo de Carvalho assume que a comprovação de tais teorias está justamente na falta de provas, uma vez que o inimigo, sendo onisciente, onipresente e onipotente, sempre consegue escondê-las. Mutatis mutandis, é o mesmo que fazem os esquerdistas delirantes, como Chomsky, quando sugerem que Bush poderia ter impedido o 11 de setembro se quisesse, mas não o fez para ter uma justificativa para invadir o Iraque.

E não é só no apelo a teorias da conspiração que Carvalho acaba se aproximando do modo de pensar das esquerdas radicais, embora com sinal ideológico invertido. No debate teórico, ele muitas vezes acaba "resolvendo" polêmicas por meio de julgamentos ideológicos e morais que redundam nessas visões conspiracionistas. Li certa vez um texto em que esse autor tecia críticas ao economista John M. Keynes, o qual começava com a afirmação de que este último era um "socialista fabiano". Lá pelas tantas, o texto se punha a dizer que as ideias de Keynes eram tão autoritárias quanto as do socialismo marxista e fazia referência aos "milhões de mortos produzidos pelo socialismo"(*).

Ora, não há nada de errado em criticar as teorias de Keynes, sobretudo considerando que, desde os anos 1970, o receituário keynesiano de política macroeconômica tem acumulado fracassos que realmente põem em xeque as teorias que o embasam. Ainda assim, descartar uma construção teórica complexa por meio de considerações ideológicas e morais que lhe são na maior parte externas é exatamente o mesmo que os esquerdistas fazem quando afirmam que os teóricos não-marxistas são mercenários a serviço do capitalismo.

Noutros termos, é certo que as teorias de Keynes, por justificarem certas formas de intervenção estatal na economia (embora não necessariamente toda a maquinaria assistencialista montada sob o conceito de Estado do Bem-Estar) são largamente utilizadas por correntes políticas de esquerda para justificar suas propostas intervencionistas; mas nem por isso o debate científico dessas teorias se restringe a e se resolve com a análise de seus desdobramentos político-ideológicos. Tanto é assim que o economista Gregory Mankiw, embora politicamente conservador, já organizou simpósios e coletâneas de trabalhos acadêmicos sobre o pensamento keynesiano.

Já em outro artigo que citava Keynes criticamente, Carvalho usa o rótulo "socialismo fabiano" para abarcar todas as correntes social-democratas, o nacional-populismo típico da América Latina e até o fundamentalismo islâmico de regimes como o do Irã! No final das contas, os únicos políticos e intelectuais do planeta que não estão a serviço de uma estratégia comunista de dominação global são os direitistas conservadores como Olavo de Carvalho, já que ele trabalha com rotulações que colocam todos os que discordam dele no mesmo saco. Exatamente como os esquerdistas fazem: quem não reza pela cartilha deles é sempre "neoliberal", "de direita", "conservador", etc.

Para não me estender demais, um último comentário. Olavo de Carvalho tem razão quando afirma que, no Brasil, a hegemonia de esquerda se estabeleceu como produto de uma estratégia gramsciana de ocupação de posições nas instituições públicas e privadas de formação de opinião. Isso aconteceu na geografia, por exemplo, embora sem que houvesse um comando partidário organizando o processo, conforme já demonstrei em meus textos. O problema, porém, é que a crítica de Carvalho deixa de lado o fato de que essa estratégia só foi assim tão bem-sucedida porque a nossa direita recusou-se a rever suas visões políticas autoritárias e preconceitos de todo tipo. Recentemente, li um artigo na Veja que falava de um movimento político que está em curso com o fim de criar um novo partido no Brasil, e cujo objetivo explícito é representar as ideias da direita em nosso país. E o nome desse novo partido será... ARENA!

Com uma direita que nunca se corrige, como a nossa, como não querer que a esquerda domine?

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Post relacionado: Aqui, jogar tomates é debater ideias

(*) Pesquisei na internet para ver se localizava esse texto, mas não consegui. Sendo assim, fiz este  comentário de memória.




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