Hoje em dia, falar sobre um túnel sob o mar não representa mais nenhum tipo de novidade, assim como não chega a causar espanto a ninguém. Sem querer desprezar os desafios enfrentados pela engenharia, não há como negar que, no caso da obra inaugurada ontem na Turquia, além do uso político da construção, o grande atrativo do projeto se deve a um aspecto de importância altamente simbólica: o fato do túnel em questão ligar dois continentes.
Como já cheguei a comentar numa postagem referente aos protestos acontecidos neste ano no Parque Gezi, a Turquia é um país bem peculiar. Ainda que 93% de suas terras se situem na Ásia e apenas 7% na Europa, sua localização estratégica, ligando o Ocidente ao Oriente, deixaram um rastro de influências, onde tradição e modernidade convivem de forma nem sempre harmoniosa.
Leia abaixo a matéria da Agência AFP e, a seguir, assista aos vídeos da inauguração do Marmaray.
Turquia inaugura túnel sob o Estreito de Bósforo, que liga Ásia e Europa
Os líderes turcos inauguraram nesta terça-feira com grande alarde, coincidindo com o 90º aniversário da República, um túnel ferroviário sob o Bósforo ligando a Ásia e a Europa, um projeto batizado de "a obra do século".
Após nove anos de espera, o 'Marmaray', um túnel de 14 km e com uma parte submersa de 1.400 m, conectará os dois continentes sob o Estreito de Bósforo, joia da principal metrópole turca.
Os primeiros passageiros atravessarão o túnel entre a Ásia e a Europa, num trajeto que pretende facilitar o tráfego diário intercontinental de milhões de pessoas em Istambul.
"O sonho de vários séculos se torna realidade", declarou o primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, durante a longa cerimônia oficial de inauguração em Uskudar, na presença de milhares de habitantes locais.
Trata-se, segundo o premiê, de um "sonho de 150 anos", dos tempos dos sultões otomanos.
Marmaray está entre os 'megaprojetos' urbanos de Erdogan, muitos deles criticados, e que alimentaram os protestos anti-governo em junho.
A inauguração coincide com o 90º aniversário da República da Turquia, fundada por Mustafa Kemal Atatürk.
O primeiro-ministro turco esteve acompanhado pelo primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, diretor financeiro do projeto, que custará ao todo 3 bilhões de euros.
A ideia de construir um túnel sob o Estreito de Bósforo foi citada pela primeira vez em 1860 por um sultão otomano, Abdulmedjid. No entanto, por motivos técnicos e falta de financiamento, até agora não havia se materializado.
Na década de 1990, o projeto voltou a ser cogitado devido a explosão demográfica em Istambul, cuja população dobrou desde 1998 e já ultrapassa 15 milhões.
Com o apoio financeiro do Banco do Japão para Cooperação Internacional (735 milhões de euros) e do Banco Europeu de Investimento (BEI) a construção do túnel começou em 2004, graças a uma parceria entre o Japão e a Turquia.
A obra, que durou quatro anos, foi suspensa por um longo tempo com a descoberta de uma série de tesouros arqueológicos.
O túnel, um duplo tubo submerso mais de 50 metros abaixo do leito do Bósforo, foi desenhado para resistir a terramotos de até 9 graus nesta região que registra uma forte atividade sísmica.
As autoridades esperam que o projeto, que será conectado a 75 km de novos trilhos ferroviários, acabe com o calvário dos mais de 2 milhões de pessoas que a cada dia atravessem o Bósforo por duas pontes que estão sempre congestionadas.
Mas alguns especialistas duvidam do alcance do projeto, embora o túnel tenha gerado menos críticas do que o futuro terceiro aeroporto da cidade, o canal de 45 km paralelo ao Bósforo e a terceira ponte no estreito. Todos projetos "faraônicos" denunciados como provas do autoritarismo do governo islamoconservador e sua inclinação mercantilista durante os protestos de junho.
Ainda levará vários anos para que o túnel seja totalmente concluído e opere a 100% de sua capacidade.
"O trecho em serviço é muito limitado. Tudo foi adiado para mais tarde", lamentou Tayfun Kahraman, presidente da Câmara de Urbanistas de Istambul.
Há dias, as emissoras de televisão emitem anúncios elogiando o projeto do governo. "É um sonho realizado" proclamam os anúncios, cujo principal ator é Erdogan.
Já os críticos acusam o primeiro-ministro de ter precipitado a inauguração para apresentá-lo como uma conquista nas eleições municipais previstas para março de 2014.
A Câmara de Engenheiros e Arquitetos (TMMOB) também aconselharam os turcos a não usar esta rota "por razões de segurança", algo refutado pelo prefeito de Istambul, Kadir Topbas, que jura que Marmaray é seguro.
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