Geografia
Steven Pinker e o debate Rousseau versus Hobbes
Li estes dias um excelente artigo de Steven Pinker sobre os condicionantes da agressividade - autor citado na seção de comentários do post Brasil prova que desigualdade não gera violência. Após um preâmbulo sobre o sentido pejorativo que os termos "darwiniano" e "hobbesiano" vieram a adquirir, bem como uma introdução à moderna biologia evolutiva, o texto faz uma síntese da teoria elaborada por Thomas Hobbes em seu clássico Leviatã, de 1651. Nesse livro, Hobbes discute a "natureza do homem" e indica os três estímulos que o levam à violência, quais sejam:
- Competição: a violência praticada visando algum tipo de ganho, a satisfação de um interesse
- Difidência: a violência com finalidade de defesa - na época de Hobbes, essa palavra significava mais "medo" do que "segurança"
- Glória: nas palavras de Hobbes, é a luta motivada "por ninharias, como uma palavra, um sorriso, uma opinião diferente e qualquer outro sinal de desapreço"
Pinker afirma que essa lista de estímulos é precisa e validada pelos modernos estudos sobre a agressividade humana. Os dois primeiros são bem fáceis de entender, mas vale fazer um comentário sobre o terceiro. Considerando-se dois países inimigos e muito bem armados, fica a pergunta: qual deve atacar primeiro? É o que se costuma chamar, nas relações internacionais, de "dilema da segurança", situação que também recebe o nome mais genérico de "armadilha hobbesiana". Vejamos o que diz Pinker:
A forma mais óbvia [de resolver o dilema] é uma política de dissuasão: não ataque primeiro, seja forte o bastante para sobreviver a um primeiro ataque e retalie na mesma moeda qualquer agressão. Uma política de dissuasão digna de crédito pode retirar do competidor o incentivo para invadir pelo ganho, pois o custo imposto pela retaliação anularia para ele o espólio previsto. E elimina o incentivo para invadir por medo, em virtude da decisão de não invadir primeiro e, acima de tudo, do menor incentivo para ser o primeiro a atacar, visto que a dissuasão reduz a necessidade de um ataque preventivo. A chave da política de dissuasão, no entanto, é a credibilidade da ameaça de que haverá retaliação (Pinker, 2013, p. 40).
Assim, Pinker afirma que a terceira causa da violência, que Hobbes chama de luta por "glória", é descrita de forma mais adequada pelo termo "credibilidade": retaliar qualquer afronta, ainda que simbólica, é a forma de dissuadir o país adversário de atacar visando ganho ou por medo de ser invadido primeiro.
Já no âmbito das relações entre indivíduos de uma mesma sociedade, a solução para a armadilha é instituir o Estado. O estímulo para um indivíduo atacar o outro visando qualquer tipo de ganho é diminuído se ele calcula que existe um risco elevado de ser apanhado em flagrante ou punido após o ato. E sua vítima em potencial tem pouco incentivo para fazer ataques preventivos se avaliar que o Estado está realizando bem o trabalho de vigiar e, caso algum ataque ocorra mesmo assim, retaliar o agressor. O Estado, como agente desinteressado em relação aos objetos de conflito entre os indivíduos, realiza uma política de dissuasão em nome de todos, liberando os indivíduos para cuidarem de prover sua subsistência sem a preocupação de se defender. Nesse sentido, o surgimento do Estado tem o efeito de pacificar a vida do homem civilizado.
Rousseau à luz de Darwin
Explicada a teoria hobbesiana, vem um breve resumo sobre sua antípoda, que é a teoria de Rousseau. Esta é ilustrada de modo simplificado pelo famoso mito do bom selvagem: antes da civilização, o homem vivia em paz, de acordo com sua natureza dócil; a sociedade é que gera a violência, devendo ser reformada para evitar esse mal. Nem é preciso dizer que essa é a visão que predomina na geografia e nas ciências sociais brasileiras, como é o caso dos pesquisadores do Núcleo de Estudos da Violência da USP. Mas Pinker dá a entender que essa visão tem pouco de científica e muito de voluntariosa:
Na segunda metade do século XX, a romântica teoria de Rousseau se tornou a doutrina politicamente correta da natureza humana, tanto como reação a doutrinas racistas anteriores sobre povos 'primitivos' como pela convicção de que se tratava de uma visão mais elevada da condição humana. Muitos antropólogos acreditam que, se Hobbes estivesse certo, a guerra seria inevitável ou mesmo desejável; logo, qualquer um que seja a favor da paz deve insistir que Hobbes estava errado (Idem, ibidem).
Pelo que foi exposto acima, é fácil perceber que essa interpretação de Hobbes é completamente equivocada. Mas, mesmo colocando o debate nos seus devidos termos, como avaliar a eficácia explicativa das duas teorias concorrentes? Segundo Pinker, "quando se trata da violência em povos antes do advento do Estado, Hobbes e Rousseau estão falando do alto de suas poltronas: nenhum deles conhecia coisa alguma sobre a vida antes da civilização" (Idem, p. 40-41).
É aí que entra Darwin. Esse autor nos ensinou que a história do homem não começa com o Homo Sapiens. Logo, podemos suprir a falta de evidências sobre a vida antes do Estado pelo estudo do comportamento de primatas contemporâneos próximos do homem e pela investigação de fósseis do gênero Homo.
Para não me estender demais, deixo um comentário sobre essa parte do artigo para outra postagem. Mas o que está dito acima já permite deduzir a conclusão elaborada por Steven Pinker com base na biologia evolutiva: se for para discutir a questão da violência partindo da noção de natureza humana, há muito mais evidências a sugerir que os primeiros homens, assim como seus ancestrais, praticavam a violência visando ganhos, fosse o território de um outro grupo ou o privilégio de se acasalar com o maior número possível de fêmeas.
Finalizo acrescentando que os estudos sobre a violência em perspectiva histórica demonstram que a criminalidade vem declinando ao longo dos últimos séculos, conforme o post Marcelo Lopes de Souza: a banalidade da geografia. Pinker, embora não se alongue sobre isso no texto em questão, conclui a mesma coisa.
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PINKER, S. Violência ancestral: uma discussão sobre a origem da agressividade. Piauí, n. 78, mar. 2013, p. 38-42.
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