Milhares de pessoas continuam fugindo das regiões conflituosas no Leste da República Democrática do Congo (RDC), onde se enfrentam tropas governamentais, apoiadas pelas milícias hutus de Ruanda, e o Congresso Nacional para a Defesa do Povo (CNDP), liderado pelo general tutsi congolês Laurent Nkunda. Na pequena aldeia de Kiwanja foram encontradas onze fossas comuns com dezenas de corpos. Não se sabe o número exato dos mortos vítimas deste conflito, mas estima-se que há muitas covas coletivas espalhadas na região. Dos cerca de seis milhões de habitantes da província de Kivu Norte, calcula-se que mais de 1,2 milhão abandonaram suas casas. Os combates paralisaram praticamente toda a ajuda humanitária e a entrega de alimentos, remédios e outros itens de primeira necessidade.
Quem financia os rebeldes de Nkunda e as tropas congolenses?
Os enfrentamentos entre tutsis e hutus causaram o massacre de civis tanto por parte dos rebeldes de Nkunda como do exército congolês e tem sua origem o genocídio de Ruanda em 1994.
O conflito na República Democrática do Congo soma-se a muitos outros conflitos recorrentes no continente africano. A imprensa capitalista, orientada pelos monopólios internacionais que exploram as matérias-primas da África, atribui estas guerras a fatores puramente regionais e resultado natural das mazelas da África e do seu povo "não civilizado", "bárbaro", escondendo os verdadeiros criminosos que estão lucrando com a morte e a miséria de milhões de pessoas. Não se fala que as armas e a munição são fornecidas pela Europa e EUA ou que as milícias que se enfrentam são financiadas pelas empresas imperialistas que exploram ouro, diamante, petróleo e outras riquezas naturais.
Por que, no entanto, só agora esta guerra se tornou tão conhecida? Por que uma guerra que já dura dez anos e que já matou mais de cinco milhões de pessoas - o maior genocídio desde a Segunda Guerra Mundial - chamou só agora tanta atenção da imprensa capitalista?
O deslocamento de cerca de 250 mil pessoas da cidade de Goma, fronteiriça com a Ruanda, começou em agosto, quando um acordo de paz firmado entre o governo e as tropas de Nkunda foi suspenso, impulsionando uma nova onda de conflito.
No final de outubro, as tropas de Nkunda declararam cessar-fogo, após quatro dias de conflitos.
O CNDP acusa o Exército da RD do Congo de ter colaborado com as Forças Democráticas para a Libertação da Ruanda (FDLR), que inclui milícias da etnia hutu e ex-soldados ruandenses que participaram do genocídio contra os tutsis em Ruanda em 1994. Laurent Nkunda conta com o apoio do governo tutsi ruandês e dos EUA.
Durante os últimos 15 dias de combate, a população civil da rica província de Kivu é a mais afetada. Em Kivu se concentra uma enorme quantidade de ouro e diamantes e as maiores reservas do mundo de coltan, mineral que se utiliza para a fabricação de celulares, videogames, fibra ótica e tecnologia espacial.
Todo este precioso minério é pilhado pelo imperialismo com a fundamental ajuda das tropas da ONU, envolvidos em contrabando de armas, ouro e marfim. A Missão das Nações Unidas na República Democrática do Congo (MONUC) negociam com a Frente Nacional Integracionista (FNI) e com as Forças Democráticas de Libertação da Ruanda (FDLR), na qual trocam armas por ouro, marfim e segurança. A missão da ONU no Congo é a maior do mundo, com cerca de 17 mil soldados instalados no pais desde fevereiro de 2000. A verdadeira missão da ONU é servir aos interesses imperialistas e legitimar ocupações militares em todo o mundo.
Um dos motivos que levaram o conflito à imprensa mundial é o fato de que a França e a Bélgica querem reconquistar sua influência na região, perdida desde a queda do ditador Mobutu Sese Seko, orquestrada pelos EUA em 1997. Por isso tentam agora enviar uma nova força militar para substituir a fracassada missão da ONU e poder saquear os minerais. Washington e as empresas norte-americanas operam, por sua vez, a partir de uma base em Ruanda, fornecendo armas para as tropas de Nkunda. Não é por acaso que o Exército regular do presidente congolês Joseph Kabila está capitulando para os guerrilheiros de Nkunda. As tropas do governo têm o apoio militar da China, também interessada em lucrar com a exploração da economia congolense.
A China é o principal país que disputa com o imperialismo a exploração do petróleo e dos minérios na África. Até agora estava à margem do Congo, que esteve sob influência da França e da Bélgica até 1997, até os EUA assumirem o controle. Ao mesmo tempo, EUA e França precisam firmar acordos para não deixar que a China penetre nas minas congolenses.
Para dar fim ao conflito, Laurent Nkunda disse que só abandonará a luta armada quando o presidente Joseph Kabila se comprometer a revisar todos os compromissos firmados com a China, o que mostra que Nkunda é um instrumento do imperialismo.
Um dado fundamental da situação, no entanto, é que a luta entre os imperialismos pelo controle da região, tem conduzido a uma instabilidade crescente e que as forças políticas cada vez mais escapam ao controle e conduzem a situação a novas crises.
Enquanto os minerais africanos estiverem bem cotados no mercado mundial, a República Democrática do Congo e todo o continente africano serão usados pelo imperialismo como campo de batalha. Alegando se tratar de uma guerra tribal, justifica-se, portanto, o envio de uma força militar internacional para levar a cabo uma ocupação imperialista clandestina disfarçada de missão humanitária
Breve histórico da República Democrática do Congo
A República Democrática do Congo (RDC), ou Congo-Kinshasa - para distinguir-se do vizinho Congo-Brazzavile - é uma ex-colônia belga que esteve sob a tutela pessoal do rei Leopoldo II. Este "ganhou" o território durante a Conferência de Berlim em 1885, época em que o colonialismo europeu dividiu ao seu bel prazer todo o continente africano.
Em 1908, o chamado Estado Livre do Congo deixou de ser uma propriedade da coroa e passou para a administração da Bélgica, que muda o nome da colônia para Congo Belga.
Após décadas de exploração e pilhagem de suas vastas reservas minerais, os movimentos nacionalistas e revolucionários pela independência começaram a eclodir a partir da década de 50, sob o comando de Patrice Lumumba, que muito mais tarde seria assassinado com a ajuda da CIA. A independência veio em 30 de junho de 1960, com o país passando a se chamar República do Congo e em 1964, República Democrática do Congo.
Lumumba assumiu o cargo de primeiro-ministro e Joseph Kasavubu a presidência, mas semanas depois um levante contra o seu governo, liderado por Moise Tshombe, depõs Lumumba, que foi seqüestrado e assassinado, em janeiro de 1961.
Tropas da ONU foram então enviadas em 1963 para supostamente garantir a estabilidade de um país chave para a continuidade da exploração imperialista. A independência política foi concedida para conter uma verdadeira revolução em todo o continente negro, mas a dependência econômica, no entanto, continua até os dias de hoje.
Com a intervenção militar da ONU, que contou inclusive com a presença de tropas brasileiras, Tshombe fugiu e deixou o poder, mas um ano depois, com a ajuda da Bélgica e dos EUA, retornou à presidência. Caiu novamente em 1964, após um golpe militar liderado por Mobutu Joseph Désiré.
Sob sua direção, a RD do Congo se transformou numa espécie de potência capitalista africana. O nome do país é novamente mudado, desta vez para Zaire e a capital, a então Leopoldville, muda para Kinshasa. Mobutu muda até mesmo seu próprio nome, passando a se chamar Mobutu Sese Seko Koko Ngbendu wa za Banga (o todo-poderoso guerreiro que, por sua resistência e inabalável vontade de vencer, vai de conquista em conquista deixando fogo à sua passagem).
Na década de 80, líderes tribais tentam firmar uma ampla oposição, mas vários dirigentes políticos são presos e exilados. Pressões do imperialismo, diante da tendência ao colapso do regime do seu aliado (como ocorre neste momento com Robert Mugabe) forçam o governo a adotar um regime pluripartidário, elegendo em outubro de 1991 o premiê oposicionista Etienne Tshisekedi, mas este se recusa a jurar obediência a Mobutu e é substituído do cargo. É, no entanto, reconduzido ao posto após uma crise política levar à insurreição das tropas em 1993, que reivindicavam o pagamento de seus soldos. Mais de mil pessoas são mortas durante essa rebelião.
Os EUA e a União Européia se aliam a Tshisekedi, que pede um governo de união nacional para contornar a crise. Eleições diretas são programadas para 1995, mas não acontecem.
Em 1994 eclode o genocídio em Ruanda. Dezenas de milhares de hutus e tutsis fogem para o Zaire, desestabilizando o país com o despertar de uma disputa étnica histórica, impulsionada pelo imperialismo francês e norte-americano.
Os tutsis iniciam uma rebelião liderada por Laurent-Désiré Kabila, que tem o apoio da Uganda e do novo regime tutsi em Ruanda. Estas disputadas internas, sempre fomentadas pelos interesses do imperialismo, materializavam-se na luta entre a guerrilha Aliança das Forças Democráticas pela Libertação do Congo-Zaire (AFDL) e o Exército.
Em 1997 a guerra civil havia tomado todo o país, com Mobutu muito doente, mas ainda no poder. A guerrilha conquista as regiões mais importantes do país, incluindo Mbuji-Mayi, a "capital dos diamantes". E em maio de 1997 os rebeldes ocupam a capital Kinshasa sem nenhuma resistência militar.
Kabila assume o poder, muda o nome do país novamente para República Democrática do Congo e Mobutu refugia-se em Togo.
Sob a direção de Kabila, os partidos e manifestações públicas são proibidos e a aliança com Uganda e Ruanda é rompida. Em 1998, um novo levante toma conta do país, desta vez por forças tutsis, que se concentram no Norte, na região de Kivu. Ruanda e Uganda apóiam o movimento insurrecional.
Com mais uma guerra civil, a capital está para cair e Kabila pede ajuda à Angola, Zimbábue e Namíbia, que enviam tanques e aviões contra os rebeldes. O levante é sufocado em apenas duas semanas, mas Kabila é obrigado a se comprometer e realizar eleições diretas em 1999.
Todos estes conflitos foram e continuam atendendo aos interesses de forças muito mais poderosas.
Em 2001, Kabila é assassinado pelo seu guarda-costas. Joseph Kabila, seu filho, assume o poder, inicia acordos com a guerrilha e promete eleições, que acontecem em 6 de dezembro de 2006, com ele mesmo sendo reeleito. Estas foram as primeiras eleições em 40 anos de história de conflitos e guerras. Nas regiões mais isoladas e ricas em ouro, as disputas continuam.
/www.pco.org.br