Geografia
PNDH 1, 2, 3 ... 174
Por Rui Daher *
Na mídia, na política, dentro do governo, discute-se o Programa Nacional de Direitos Humanos. O terceiro, se contados os lançados em 1996 e 2002 pelo presidente Fernando Henrique Cardoso - com Nelson Jobim e Miguel Reale Jr. como ministros da Justiça. Agora, a bola está na marca de pênalti para Lula chutar. Com certeza, fraquinho ou para fora.
A rigor, tentativas para tirar do País os inequívocos sinais de barbárie e os simulacros de um estágio civilizado que nunca chegamos a atingir são mais antigas do que os programas voltados aos direitos humanos. Expressão tão essencial para a vida quanto desgastada pelos períodos autoritários bancados pelo nosso ethos conservador.
Mais do que a defesa dos direitos humanos, tida por parte dos brasileiros como equivocado contraponto à Lei do Talião, a peça de 228 páginas do governo é um protocolo de intenções no sentido da cidadania. Muito, não fossem apenas sugestões e indicações de tal abrangência que as tornam incapazes de se transformar em aparatos legais.
Por enquanto, apenas um exercício de autoflagelo do governo, que montará palanque para que os setores mais atrasados da nação destilem seus preconceitos, protejam seus interesses econômicos e escamoteiem verdades que a História, mais cedo ou mais tarde, conhecerá. As reações contrárias oferecem óbvias carapuças.
No que diz respeito à agropecuária, com o discurso de sempre e distraída dos episódios nebulosos que a envolvem no Tocantins, estado que representa no Senado, Kátia Abreu e o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, vêm à mídia para acusar o documento de "criar instabilidade jurídica e conflitos no campo", uma, e "preconceito contra a agropecuária comercial", o outro.
Bem, a senadora do Democratas, em nenhum momento de sua vida como política, empresária e presidente da CNA, considerou a grilagem de terras, o desrespeito às leis ambientais, a falta de titulação de áreas destinadas aos assentamentos como instabilidade jurídica. Nem como conflitos no campo a violência usada contra colonos em ações de reintegração de posse. Para ela, criminalizar os movimentos sociais é o que basta para que se restaure a paz no campo.
Espantoso, também, ouvir o ministro Stephanes falar de preconceito contra a agropecuária comercial depois dos vultosos planos de safra e de crédito anunciados recentemente com pompa por sua própria Pasta. Prorrogações de dívidas, do cumprimento ao Código Florestal, R$ 100 bilhões. Preconceito? É provável que o ministro desconheça os rumos da Operação Fanta, da Polícia Federal, iniciada em janeiro de 2006, a partir de documentação recolhida na sede da Citrovita, que teve, depois de 4 anos, a abertura autorizada pela Justiça. Próxima, portanto, de comprovar a existência de um cartel na área de suco de laranja.
Infelizmente, ao jogar em uma só peça, sob o rótulo de defesa dos direitos humanos, elementos de cidadania, básicos em sociedades mais avançadas, o governo apenas traz à tona os mesmos personagens que, há séculos, travam nosso desenvolvimento social, político e econômico.
Sim, também o econômico, pois se alguém imagina o País como quinta potência econômica mundial em algum momento das próximas décadas sustentado sobre tão acentuado declive social e tão fina camada de cultura, pode se preparar para tristes espetáculos de soterramento.
Nota: o número 174 para o último PNDH é uma referência à tragédia do ônibus, no Rio, retratada em documentário de 2002, de José Padilha, e em filme de 2008, de Bruno Barreto. Lá, ninguém teve direito de ser humano.
Leia Aqui (pndh3.pdf) a íntegra do PNDH-3.
*Publicado originalmente no Terra Magazine
Fonte: http://www.mst.org.br/node/8928
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