O primeiro erro dos "melancias"
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O primeiro erro dos "melancias"


Como se sabe, ?melancias? é o apelido jocoso daqueles que usam a questão ambiental como arma de luta ideológica contra o capitalismo, já que eles são verdes por fora, mas vermelhos por dentro. E eles bem que merecem o apelido, pois seus discursos apenas adaptam as velhas críticas éticas e morais contra a economia de mercado aos problemas de meio ambiente. 


Já na Antiguidade, Aristóteles dizia que, como a natureza é regida pela lei do mais forte, a escravidão estava de acordo com a natureza, sendo então moral; por sua vez, comercializar mercadorias para obter lucro seria antinatural e, por isso mesmo, imoral. Na Idade Média, a moral cristã estabelecia que o incentivo ao lucro alimentava a ganância pessoal e solapava os valores que garantiam a unidade da família e da sociedade. Do iluminismo em diante, o conservadorismo romântico, mas também correntes socialistas e anarquistas diversas, reproduziam essa crítica ao mercado: a reiteração de relações de troca baseadas no interesse econômico individual teria o efeito de corroer os valores morais que mantém a coesão social, o que poderia levar o capitalismo ao colapso. Como manter a ética do respeito aos contratos, fundamental para o funcionamento da economia de mercado, se o interesse individual estimulado pelo próprio sistema acaba sobrepujando as considerações éticas?

O marxismo é um bom exemplo desse modo de pensar. Como já destacaram autores tão diferentes quanto Roberto Romano (1981) e Albert Hirschmann (1986), as obras de juventude de Marx e Engels, como  A Ideologia Alemã e o Manifesto Comunista, continham influências românticas muito nítidas, inclusive no que diz respeito à crítica contra os supostos efeitos nocivos do mercado capitalista sobre os valores éticos e morais. Essa influência era bastante visível na tese marxista de que o capitalismo tende a fazer com que todas as relações humanas apareçam como se fossem relações entre coisas. Conservadorismo cristão e materialismo socialista convergiam na mesma crítica romântica ao mercado capitalista!

Essa é praticamente a mesma formulação de uma das grandes críticas ecológicas dos "melancias" contra o capitalismo: a ideia de que uma sociedade de mercado incentiva empresas e indivíduos a perseguir seus interesses econômicos imediatos, desprezando quaisquer considerações éticas sobre o impacto de suas ações no longo prazo e, portanto, sobre o problema da sustentabilidade. 

Mas o que as pessoas não percebem é que a validade desse tipo de crítica moral ao mercado tem sido negada, e já faz séculos!, pelo fato de que a sociedade capitalista não entrou em colapso e ainda permitiu criar incentivos econômicos e institucionais para garantir o respeito aos contratos e melhorar o comportamento dos indivíduos em sociedade, o que vem civilizando as relações sociais em vez de acirrar conflitos egoístas. A queda dos índices históricos de criminalidade é uma das evidências disso, conforme comentei noutro post. 

De modo análogo, a lógica da produção para o lucro não possui um caráter antiecológico em si mesmo porque, em primeiro lugar, cria incentivos econômicos para o uso eficiente dos recursos naturais e até para a preservação. Vê-se isso nas atividades de extração de recursos renováveis, na produção de equipamentos antipoluição, na reciclagem do lixo e em diversas modalidades de turismo, como o ecológico e o rural. Em segundo lugar, porque o capitalismo, ao contrário do socialismo, mostrou-se compatível com o desenvolvimento da democracia, e é sob esse sistema político que a sociedade, com base em seus valores, fixa as regras em que a competição capitalista deve ocorrer. A trajetória das legislações ambientais mostra exatamente isso: as empresas podem e devem lucrar, mas desde que respeitem as leis que visam garantir a sustentabilidade do desenvolvimento. 

É justamente quando se põe em foco a questão democrática que se nota o conteúdo autoritário das críticas de cunho moral ao suposto caráter antiecológico do capitalismo. Afinal de contas, se a economia de mercado incentiva a cobiça e a depredação da natureza, então a saída deveria ser o modelo de economia planificada, não? Até a derrocada socialista, era nisso que a maior parte dos intelectuais e ativistas de esquerda acreditava. Depois, os desastres ambientais e outras mazelas do socialismo provaram que a tese estava errada, mas essa gente nem se abalou. Deixaram a categoria luta de classes em segundo plano e adaptaram as críticas românticas à economia de mercado ao debate das questões ambientais. E isso como se tivessem alguma ideia clara de como superar a economia de mercado sem substituí-la por um Estado totalitário e planejador! Romantismo e falta de propostas concretas sempre combinam bem.

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HIRSCHMAN, A. Suavidade, poder e fraqueza da sociedade de mercado: interpretações rivais, de Montesquieu a nossos dias. In: ________. A economia como ciência moral e política. São Paulo: Brasiliense, 1986.

ROMANO, R. Conservadorismo Romântico: origem do totalitarismo. São Paulo: Brasiliense, 1981 (Coleção Primeiros Voos, 3).




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