O Brasil está mudando
Geografia

O Brasil está mudando



Lembrando a história do copo meio cheio ou meio vazio, ao observar a foto acima a que conclusão você chega?


Pois é. Mesmo que você revele tendências que venham a pender mais para um lado do que para o outro, ou seja, mais para o otimismo do que para o pessimismo (ou vice-versa), uma coisa é certa: é inegável que o Brasil está mesmo mudando.

Ainda que você não queira creditar a quem quer que seja o feito dessa missão ?quase impossível?, deixa de ser bobo e egoísta, pense no país como um todo, em todos os benefícios que podemos obter se construirmos um país realmente próspero e sem qualquer tipo de disparidade.

É claro que não devemos confundir crescimento econômico com desenvolvimento social. Ainda falta muita coisa para termos um país longe de tantas e tamanhas desigualdades, mas, por outro lado, também é interessante lembrar que expressões como ?Brasil, o país do futuro?, tão utópicas e fantasiosas, sempre usadas como motivos de troça, pouco a pouco vão se tornando realidade. E como tem gente que, principalmente por não gostar do governo atual, que se incomoda com isso...

Quero falar mais uma coisa (acho que me empolguei). Eu me indignava de fato quando Renato Russo, da Legião Urbana, entoava o refrão de que ?Que País é Este??, e o público completava: ?É a porra do Brasil!?. É o típico ?complexo de vira-lata? a que se referia Nélson Rodrigues.

Pensando em tudo isso, transcrevo para vocês um artigo que o cineasta brasileiro Karim Aïnouz, diretor, entre outros filmes, de Madame Satã (2002) escreveu para o excelente portal alemão Deutsche-Welle.

Mas se ainda assim você pergunta a razão de eu estar falando sobre mudanças, a minha explicação é simples e se deve basicamente a três motivos. O primeiro é porque o que Karim escreveu é realmente bom. Segundo, por eu ter vivido a mesma época descrita por ele em seu texto. E a outra porque revela exatamente o que penso em relação ao momento pelo qual o nosso país está atravessando.

Brasil, "you've come a long way, babe"

Cresci na era da desesperança e o Brasil parecia um gigante adormecido que não despertaria. A gente parecia que nunca ia dar certo. Mas ele acordou, perdeu o medo de se olhar no espelho e a vergonha de ser brasileiro.

Não me lembro exatamente quando, mas me lembro da época. Eu devia ter uns 15 ou 16 anos. Os militares já haviam saído do poder. Era um período de transição entre a ditadura e uma possível democracia. 1982, 1983.

Eu me lembro claramente de ir ao supermercado com minha avó, ajudá-la nas compras do mês. Minha mãe era separada do meu pai, trabalhava, era arrimo de família; e era a minha avó quem tomava conta da casa.

A gente fazia as compras logo depois que minha mãe recebia seu salário mensal. No supermercado, havia sempre uns funcionários que empunhavam uma maquinazinha que eles utilizavam pra remarcar os preços. Pois sim, os preços mudavam a cada dia, subiam a cada dia. A inflação era algo difícil de imaginar. Os preços dos produtos mudavam literalmente de um dia para outro, ou de uma semana para outra. Lembro claramente do barulho da engenhoca de remarcar preços: tchac, tchac, tchac.

Aí entendi porque tínhamos que comprar os mantimentos do mês logo no dia em que saía o salário - se esperássemos muito, o mesmo dinheiro daria pra comprar só a metade, quem sabe até menos.

Tenho que confessar que, me lembrando daquela época, nunca imaginei que as coisas iriam melhorar. Era impossível imaginar que um país que tinha uma dívida externa impagável fosse em tão pouco tempo capaz de estar na situação atual: de devedores passamos a credores.

O clima geral era de pessimismo, de que nunca iríamos ser capazes de sair de um certo buraco onde havíamos caído. Inspirado na letra do Hino Nacional, que dizia que éramos um ?gigante pela própria natureza...?, a brincadeira era de que o Brasil era um gigante adormecido, que nunca, ou tão cedo, iria despertar. Em suma, fui criado na era da desesperança. A gente, e a América Latina como um todo, parecia que nunca ia dar certo.

Hoje não precisamos mais fazer as compras do mês no dia em que sai o salário. Não precisamos sequer fazer as compras do mês, podemos fazer as compras da semana. A inflação foi domada, e junto com isso, parece que o gigante acordou, ou pelo menos está dando sinais bem claros de que está despertando.

Acho que o país começou a perder o medo de se olhar no espelho. Acho que o Brasil começou a deixar de ter vergonha de ser brasileiro. Sinto que a desesperança foi aos poucos se transformando em esperança. A miséria ainda existe, mas aos poucos ela vai deixando de ser tão endêmica, tão cruel. A sensação de que a gente vai poder chegar lá fica cada vez mais forte.

Lembro-me claramente das imagens da posse do Lula, em 1º de janeiro de 2003.

Lembro da Esplanada dos Ministérios cheia de gente, gente como a gente, celebrando qual um carnaval.

Independentemente do que admiro ou critico no seu governo, acho que o fato de um nordestino criado no Sul, imigrante dentro do seu próprio país, filho de mãe separada (que nem eu) e sem educação formal, ter chegado ao poder tem um valor simbólico inestimável. Antes mesmo de o Obama dizer ?Yes, we can?, nós brasileiros o fizemos. Ora, todos nós pensamos: se o Lula pode, eu também posso. Não precisamos ser bem-nascidos, ricos, brancos e eruditos para chegarmos lá, para sonharmos.

Minha avó completou 105 anos. Ela, muito mais do que eu, viu o Brasil passar por tão distintos momentos. Afinal de contas, é mais que um século. Ela ainda conversa, anda, vive uma vida quase normal. Mas sua memória já começa a falhar um pouco. Ela não vai mais ao supermercado. Mas, com certeza, ficaria muito feliz em saber que os preços não serão diferentes na semana seguinte.

Trinta anos depois. Estamos em 2010. Sem querer ser taxado de otimista patológico, acho que as mudanças foram muitas, e para melhor. Comparando com a idade da minha avó, trinta anos é muito pouco tempo, quase nada. Então, eu arrisco terminar recitando a letra de uma música gringa: Brasil, ?you?ve come a long way, babe?.


http://www.dw-world.de/dw/article/0,,5331064,00.html

Karim Aïnouz, cineasta brasileiro, vive atualmente em Berlim.

Pra terminar, mais uma coisinha. Se em nosso lindo hino nacional, como acima mencionado, muita gente sempre debochou do ?gigante adormecido?, prefiro destacar aqui o ?verás que um filho teu não foge à luta?. Vai ver que é por isso que nunca perdemos a esperança de ver um país melhor.





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