Se você se sensibiliza com atos de violência extrema decorrentes do mais puro ódio e intolerância, o que diria se soubesse que em nosso próprio país as maiores arbitrariedades eram cometidas com nossos semelhantes pelo simples fato de um indivíduo ser "diferente" ou por provocar um certo incômodo na sociedade?
O livro que dá título a esta postagem é um documento de vital importância para que muitos de nossos compatriotas - e não apenas as gerações mais jovens - tenham consciência de como pessoas com deficiência mental e indesejados socialmente eram tratados em determinadas regiões do país.
A responsável pela autoria de Holocausto Brasileiro (Geração Editorial) é a jornalista Daniela Arbex, que, mais do que contar a história da Colônia, como era conhecido o maior manicômio de todo o Brasil, situado na cidade mineira de Barbacena, tem a coragem de revirar um passado recente e difícil de ser encarado, principalmente por ser duro de admitir que - tal qual acontecia com a população da Alemanha nazista em relação àquilo que acontecia nos campos de concentração instalados no país -, seria mais conveniente fechar os olhos a saber o que acontecia dentro de seus limites, com todos os tipos de maus tratos e a morte de pelo menos 60 mil pessoas no período compreendido entre 1903 e 1980.
Leia a sinopse e outras informações constantes no site da editora.
Durante décadas, milhares de pacientes foram internados à força, sem diagnóstico de doença mental, num enorme hospício na cidade de Barbacena, em Minas Gerais. Ali foram torturados, violentados e mortos sem que ninguém se importasse com seu destino. Eram apenas epilépticos, alcoólatras, homossexuais, prostitutas, meninas grávidas pelos patrões, mulheres confinadas pelos maridos, moças que haviam perdido a virgindade antes do casamento.
Ninguém ouvia seus gritos. Jornalistas famosos, nos anos 60 e 70, fizeram reportagens denunciando os maus tratos. Nenhum deles - como faz agora Daniela Arbex - conseguiu contar a história completa. O que se praticou no Hospício de Barbacena foi um genocídio, com 60 mil mortes. Um holocausto praticado pelo Estado, com a conivência de médicos, funcionários e da população.
Um pungente retrato de abandono e horror
Neste livro-reportagem fundamental, a premiada jornalista Daniela Arbex resgata do esquecimento um dos capítulos mais macabros da nossa história: a barbárie e a desumanidade praticadas, durante a maior parte do século XX, no maior hospício do Brasil, conhecido por Colônia, situado na cidade mineira de Barbacena. Ao fazê-lo, a autora traz à luz um genocídio cometido, sistematicamente, pelo Estado brasileiro, com a conivência de médicos, funcionários e também da população, pois nenhuma violação dos direitos humanos mais básicos se sustenta por tanto tempo sem a omissão da sociedade.
Pelo menos 60 mil pessoas morreram entre os muros da Colônia. Em sua maioria, haviam sido internadas à força. Cerca de 70% não tinham diagnóstico de doença mental. Eram epiléticos, alcoólatras, homossexuais, prostitutas, gente que se rebelava ou que se tornara incômoda para alguém com mais poder. Eram meninas grávidas violentadas por seus patrões, esposas confinadas para que o marido pudesse morar com a amante, filhas de fazendeiros que perderam a virgindade antes do casamento, homens e mulheres que haviam extraviado seus documentos. Alguns eram apenas tímidos. Pelo menos 33 eram crianças.
Quando chegavam ao hospício, suas cabeças eram raspadas, suas roupas arrancadas e seus nomes descartados pelos funcionários, que os rebatizavam. Daniela Arbex devolve nome, história e identidade aos pacientes, verdadeiros sobreviventes de um holocausto, como Maria de Jesus, internada porque se sentia triste, ou Antônio Gomes da Silva, sem diagnóstico, que, dos 34 anos de internação, ficou mudo durante 21 anos porque ninguém se lembrou de perguntar se ele falava.
Os pacientes da Colônia às vezes comiam ratos, bebiam água do esgoto ou urina, dormiam sobre capim, eram espancados e violados. Nas noites geladas da Serra da Mantiqueira, eram deixados ao relento, nus ou cobertos apenas por trapos. Pelo menos 30 bebês foram roubados de suas mães. As pacientes conseguiam proteger sua gravidez passando fezes sobre a barriga para não serem tocadas. Mas, logo depois do parto, os bebês eram tirados de seus braços e doados.
Alguns morriam de frio, fome e doença. Morriam também de choque. Às vezes os eletrochoques eram tantos e tão fortes, que a sobrecarga derrubava a rede do município. Nos períodos de maior lotação, 16 pessoas morriam a cada dia. Ao morrer, davam lucro. Entre 1969 e 1980, 1.853 corpos de pacientes do manicômio foram vendidos para 17 faculdades de medicina do país, sem que ninguém questionasse. Quando houve excesso de cadáveres e o mercado encolheu, os corpos foram decompostos em ácido, no pátio da Colônia, diante dos pacientes, para que as ossadas pudessem ser comercializadas. Nada se perdia, exceto a vida.
No início dos anos 60, depois de conhecer a Colônia, o fotógrafo Luiz Alfredo, da revista O Cruzeiro, desabafou com o chefe: ?Aquilo é um assassinato em massa?. Em 1979, o psiquiatra italiano Franco Basaglia, pioneiro da luta pelo fim dos manicômios que também visitou a Colônia, declarou numa coletiva de imprensa: ?Estive hoje num campo de concentração nazista. Em lugar nenhum do mundo, presenciei uma tragédia como essa?.
Sobre a autora
Daniela Arbex é uma das jornalistas do Brasil mais premiadas de sua geração. Repórter especial do jornal Tribuna de Minas há 18 anos, tem no currículo mais de 20 prêmios nacionais e internacionais, entre eles três prêmios Esso, o mais recente recebido em 2012 com a série ?Holocausto brasileiro?, dois prêmios Vladimir Herzog (menção honrosa), o Knight International Journalism Award, entregue nos Estados Unidos (2010), e o prêmio IPYS de Melhor Investigação Jornalística da América Latina e Caribe (Transparência Internacional e Instituto Prensa y Sociedad), recebido por ela em 2009, quando foi a vencedora, e 2012 (menção honrosa). Em 2002, ela foi premiada na Europa com o Natali Prize(menção honrosa).
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