Geografia econômica corrige populismo e reivindicações interesseiras disfarçadas de "humanismo"
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Geografia econômica corrige populismo e reivindicações interesseiras disfarçadas de "humanismo"


O modelo de von Thünen
Ponto central: o mercado urbano de alimentos
1. (branco) Frutas, hortaliças, leite e outros produtos de consumo diário
2. Produção de lenha
3. Produção de grãos
4. Criação de gado
Alguns conhecimentos básicos de geografia econômica são muito úteis para escantear argumentos baseados em raciocínios simplistas, os quais costumam disfarçar reivindicações particularistas sob o manto de uma alegada preocupação com o bem comum. É o que se vê nos parágrafos abaixo, publicados por um licenciado em geografia, que é também agricultor ecológico, na área de comentários deste blog:
Tudo bem que há uma padronização descuidada em alguns trabalhos os quais uniformizam algumas características tanto para um tipo de agricultura quanto para o outro, mas desqualificar todos os que questionam a predominância de um modelo especulador que queira ou não, prejudica de alguma forma o abastecimento nacional, nem que seja na questão da qualidade ou de variedades é radicalismo político a favor do liberalismo e não há como disfarçar isso, Professor!
As monoculturas estimuladas pelo grande agronegócio e a centralização da produção gera custos e um exemplo disso é o caso da beterraba que poderia ser produzida de norte a sul, mas concentra em algumas regiões em determinados períodos do ano e chega a percorrer até 3 mil quilômetros para ser consumida. Não precisamos nem calcular o quanto esse tipo de concentração faz aumentar os custos para o consumidor e consequentemente sacrificar ao produtor o especulando no preço pago na lavoura, não é mesmo?
Começando pelo fim, cabe dizer que o raciocínio não faz o menor sentido. A razão disso está no fato de que o custo de transportar beterraba a 3 mil km é muito mais do que compensado pelos ganhos obtidos quando essa cultura se concentra nas áreas onde pode alcançar maior rendimento por unidade de área. A produção em larga escala reduz o custo de produção e o preço final do produto, e essa redução é muito superior ao custo de transportar o produto a grandes distâncias. 

Além disso, produzir beterraba pelo país todo implicaria perdas derivadas dos altos custos de oportunidade. O custo de oportunidade de uma mercadoria é igual ao custo daquilo de que se abre mão para comprar ou produzir essa mercadoria. Se, para reduzir custos de transporte, plantassem beterraba em áreas onde seria mais produtivo cultivar outras coisas, o resultado seria um tiro no pé, pois o valor das culturas que deixaríamos de plantar com alta produtividade seria muito superior ao valor da beterraba plantada com produtividade mais baixa!

Se os custos de transporte tivessem um papel absolutamente decisivo na localização das atividades agropecuárias, estaríamos no mundo idealizado no modelo de von Thünen, o qual abstrai as diferenças de fertilidade do solo, o relevo e todas as outras propriedades dos ambientes naturais para demonstrar logicamente a influência dos custos de transporte nos padrões de localização. Mas, mesmo nessa versão propositalmente simplificada da realidade, a lógica demonstra que tais atividades tendem a constituir áreas de monocultura (os famosos "anéis" do modelo de von Thünen, ilustrados na figura acima), e cuja expressão empírica mais citada nos livros didáticos de geografia são os "belts" da agricultura dos EUA.

E vale acrescentar que nenhum produtor rural do Brasil é proibido de plantar beterraba. Quem achar que pode produzir beterraba a preços competitivos para abastecer o mercado local, contando que os custos de transporte serão baixos, tem toda a liberdade de fazer isso. Logo, se produtores espalhados pelo Brasil todo deixam que a produção de beterraba se realize em poucas áreas, é por avaliar que não vão conseguir plantar beterraba com produtividade alta o suficiente para ser competitivos em preço (apesar dos menores custos de transporte) e/ou que os custos de oportunidade não compensam. 

É isso que explica, por exemplo, o fato de a cultura de laranja ser talvez a mais concentrada do mundo, em termos geográficos. O interior de São Paulo, principal área produtora de laranja do planeta, exporta a maior parte de sua produção. Por que países estrangeiros compram laranja produzida do outro lado do Atlântico, em vez de tentarem ser autossuficientes nessa cultura? Porque o preço final é mais afetado pela produtividade do que pelo custo de transporte, embora este seja uma variável importante, sem dúvida.

Produção local não é eficiente como parece

Em suma, uma agropecuária baseada na policultura e na qual as produções se distribuem de forma pulverizada para atender a mercados locais é antieconômica quando se consideram as diferenças de produtividade derivadas da localização e também ao se levar em conta apenas a influência dos custos de transporte. E reconhecer isso não implica substituir a preocupação com as necessidades sociais por uma visão "economicista". Essa é a acusação tola e desonesta que políticos demagogos, ambientalistas, acadêmicos apologistas do "campesinato" e agricultores familiares ávidos por subsídios usam para desqualificar os argumentos em favor da racionalidade econômica nos debates públicos. A grande verdade é que a busca de racionalidade econômica constitui a única forma de promover o atendimento das necessidades humanas sem permitir que um grupo explore os outros abocanhando fatias do fundo público em nome de belas intenções. 

Realmente, produzir alimento com eficiência econômica significa produzir a preços acessíveis para os mais pobres. A prova concreta disso está no fato de que é completamente falso dizer, como faz o autor do comentário, que a agricultura patronal de grandes propriedades e baseada na tecnologia da revolução verde prejudica o abastecimento nacional. A Pesquisa de Orçamentos Familiares, do IBGE, prova que mesmo a população mais pobre do Brasil tem alimentação variada e saudável, e que isso se dá em todas as regiões do país e tanto nos espaços rurais quanto urbanos.

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