Brasil ainda é República de Banana, mas Fernando Abrucio prefere chamar retrocesso de avanço
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Brasil ainda é República de Banana, mas Fernando Abrucio prefere chamar retrocesso de avanço


O julgamento do mensalão se encaminha para o final cumprindo o roteiro que qualquer pessoa de bom senso já imaginava: uns poucos peixes pequenos serão condenados a penas bem leves, enquanto dezenas ficarão livres de qualquer punição. Mas eu não vou fazer o discurso da indignação, pois não quero ficar posando de moralista aqui e menos ainda gastar tempo para dizer o óbvio. Vou me concentrar apenas na questão da institucionalidade, que é essencial para a preservação do regime democrático, conquistado no Brasil a duras penas.


Sob esse ponto de vista, não há dúvidas: o Brasil é uma democracia, mas não deixou de ser uma República de Banana, expressão que costuma ser usada para designar países ditatoriais ou em que as leis não são aplicadas com isonomia, servindo para proteger e beneficiar os donos do poder e seus sócios no mundo empresarial. Mas o cientista político Fernando Abrucio, no artigo Amadurecimento da democracia (*), tenta usar a história do mensalão para demonstrar o contrário, recorrendo para tanto a meias verdades e ignorando fatos incômodos! Vejamos algumas afirmações dele que não se sustentam de jeito nenhum:
Classificar o mensalão como o maior dos escândalos é uma ignorância histórica ou uma posição de ideologia partidária estreita. Com o que se gastou em obras públicas no regime militar, num período em que o poder político era opaco, é difícil que não tenha havido corrupção maior que a atual.
Temos aí uma meia verdade que vale por uma mentira inteira. É lícito supor que talvez a corrupção drenasse mais recursos públicos como proporção do PIB e/ou da arrecadação tributária no período ditatorial, quando havia censura à imprensa e as liberdades políticas eram fortemente restringidas. Isso justifica concordar que provavelmente o esquema do mensalão não tenha sido o maior da história do Brasil sob esse critério. Todavia, é fora de dúvida que esse escândalo foi muito maior do que qualquer outro ocorrido no Brasil desde a redemocratização, em 1985. Nem o "esquema PC" chegou perto do que se viu nesse esquema montado por petistas, seja quanto ao número de pessoas e instituições envolvidas, seja quanto ao volume de recursos públicos manipulados ilegalmente. Portanto, se quisesse fazer análise política rigorosa, Abrucio deveria reconhecer que o mensalão é o maior dos escândalos da história brasileira pelo menos no último quarto de século, o que não é pouca coisa. Ao usar a ditadura como biombo para esconder isso, é ele quem demonstra estar preso a uma "posição de ideologia partidária estreita"!
A novidade é a capacidade das instituições brasileiras de iluminar e descobrir irregularidades, roubalheiras e afins. [...] Tente relembrar uma história de corrupção que tenha passado por um processo tão complexo, com um espaço mais que razoável para o contraditório e o debate.
O sujeito anda desmemoriado, coitado! O escândalo que levou Collor ao impeachment prova que a imprensa, as CPIs, a Polícia Federal e o Ministério Público, entre outras instituições, continuam tendo a mesma capacidade que já tinham há mais de vinte anos para trazer a podridão à luz. Portanto, se o escândalo do mensalão teve desdobramentos mais complexos em termos de investigação, foi simplesmente porque o esquema corrupto montado no primeiro governo Lula foi muito maior do que o vigente no tempo de Collor! 

Assim, a única novidade trazida pelo escândalo do mensalão é que a impunidade agora foi muito maior. Afinal, PC Farias foi parar na cadeia e Collor perdeu o mandato - sua absolvição pela Justiça não deslegitima a decisão do Congresso de levá-lo ao impeachment, já que houve quebra de decoro. Por sua vez, Lula não foi nem investigado para averiguar-se se ele sabia do lamaçal que lhe chegava até às barbas, enquanto o Supremo Tribunal Federal - STF, ainda que mande um ou outro para a cadeia, já está preparando a "marcha da pizza", como escreveu Reinaldo Azevedo. Mas voltemos ao texto de Abrucio:
Com exceção de um caso, [Lula] selecionou nomes para o STF com autonomia sobre os quadros político-partidários. Não sei se muitos governantes das principais democracias seguiriam tal caminho.
Quem é essa exceção a que se refere Abrucio? Deve ser José Antonio Toffoli, um advogado que foi duas vezes reprovado no concurso para a magistratura e que Lula colocou no STF como recompensa pelos serviços que ele prestou ao PT e ao seu governo. Ora, em qualquer democracia que se preze, a Corte Suprema é formada por juristas de altíssimo gabarito. Então, um país onde o presidente da República indica para o STF um advogado que nunca conseguiu ser juiz e que passou anos servindo ao partido do próprio presidente (indicação essa aprovada pelo senado), simplesmente não pode ser comparado com uma democracia respeitável! E, se isso ainda não for razão suficiente para contradizer a avaliação de Abrucio sobre os critérios de Lula, aqui estão mais algumas informações sobre Toffoli fornecidas por Augusto Nunes: "desprovido de notável saber jurídico, com a reputação arranhada por condenações, processos em andamento, ilegalidades comprovadas e suspeitas incontáveis, a sumidade vai virar ministro aos 41 anos. Até a aposentadoria em 2038, estará livre de sustos ou sobressaltos" (ver aqui).

Além disso, vale dizer que as indicações de Lula para a composição do Supremo não são questionáveis apenas por vínculo com o quadro político-partidário. Vejamos o que nos conta Augusto Nunes sobre como Ricardo Lewandowski (revisor do voto do relator Joaquim Barbosa no processo do mensalão) chegou ao STF:
Para tornar-se candidato a uma toga, bastou-lhe a influência da madrinha Marisa Letícia, que transmitiu ao marido os elogios que a mãe do promissor advogado vivia fazendo ao filho quando eram vizinhas em São Bernardo. Mas só conseguiu a vaga graças às opiniões sobre o mensalão, emitidas em encontros reservados com emissários do Planalto. Ele [Lewandowski] sempre soube que Lula não queria indicar um grande jurista. Queria um parceiro de confiança, que o ajudasse a manter em liberdade os bandidos de estimação (ver aqui).
Ainda que essas informações não possam ser provadas por fontes outras que não aquelas consultadas por jornalistas, está claro que Lula, assim como qualquer déspota de Republiqueta de Banana, deixou em segundo plano a competência jurídica daqueles que nomeou para o STF. Mesmo assim, Fernando Abrucio ousa compará-lo com os "governantes das principais democracias"... Francamente!

Em suma, está claro que a história do mensalão não demonstra avanço democrático nenhum; pelo contrário, é a prova inconteste de que o Brasil continua com instituições muito frágeis e, ao menos no que diz respeito à capacidade de combater a corrupção, nada tem avançado.

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(*) Revista Época, n. 743, 13 ago. 2012, p. 18-19.




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