Arrogância dos professores
Geografia

Arrogância dos professores


Se um professor do ensino fundamental e médio ler a minha tese e argumentar contra as conclusões que estão ali, eu jamais vou responder: "como alguém que nunca fez nem mestrado pode questionar um trabalho de pesquisa em nível de doutorado? Continue na sua sala de aula, gritando com adolescentes espinhentos, e deixe a pesquisa científica para quem entende do assunto". E eu não responderia assim porque isso implicaria lançar mão de um artifício retórico tão odioso quanto rotineiro, que é o argumento de autoridade. Mas os professores do ensino médio não hesitam em desqualificar argumentos desse modo, conforme exemplifica um comentário ao post Vesentini entregou o jogo sem querer, o qual reproduzo abaixo:
O problemas dessas analises, é que os doutores como vc, nunca entraram numa sala de aula,( ensino básico) não conhecem o dinamismo que é ensinar, fazer uma transposição didática. Está visão de que os professores do ensino básico são adeptos da geo critica e seguem a risca o material de apoio ( livros didáticos) está totalmente equivocada. Devia concentrar mais atenção p área acadêmica, pois é aí que se concentra a maior parte dos recursos, nessas pesquisas que ninguém lê e de pouca utilidade prática, deixa a analise do ensino básico p quem conhece.
Supor que docente de universidade não precisa fazer transposições didáticas pode ser válido quando se fala de instituições como Harvard, mas, em se tratando do Brasil, é uma grande tolice. Sobretudo quando se trata de disciplinas como Epistemologia, a transposição é fundamental, dada a complexidade do assunto. E o que há de "dinamismo" no ensino médio e fundamental que não existe na universidade? O autor do comentário usa palavras que supostamente escondem uma grande profundidade de conhecimentos e experiências para afetar a autoridade com a qual busca desqualificar argumentos sem discutir.

Mas eu nem me preocuparia em responder ao comentário se ele não fosse sintomático de um comportamento bastante comum entre os professores e pedagogos brasileiros. Conforme já assinalou Gustavo Ioschpe, com base em enquetes realizadas com professores, existe uma percepção bastante difundida entre eles de que o nível de aprendizado atingido pelos seus alunos é insuficiente e, sendo assim: 
Esses professores criaram uma leitura de mundo à parte e completa para se blindarem contra o próprio insucesso. Qualquer crítica ou cobrança só pode vir de algum celerado que pretende privatizar a escola ou quer "alienar" o alunado. Pesquisas não são confiáveis, números mentem, estatísticas desumanizam: os professores não precisam de ajuda, muito menos de interferência. Segundo eles, o exercício da docência é algo tão particular, hermético e incompreensível que não pode se sujeitar aos métodos investigativos que analisam todas as outras áreas do conhecimento humano: só quem vive a mesma situação é que pode falar alguma coisa.
O comentário em questão mostra que tem gente tão bitolada nesse tipo de argumento de autoridade que faz uso dele mesmo quando discute com quem também é professor!

Geocrítica pauta o conteúdo escolar, sim!
Quanto à conversa de que os professores não seguem as ideias da geocrítica e usam os livros didáticos só como material de apoio, digo apenas que já rebati tais alegações no post Sim, a escola varre as milhões de vítimas do socialismo para debaixo do tapete! E minhas refutações estavam baseadas numa pesquisa que realizei com os alunos de ensino médio de Curitiba para aferir a influência da geocrítica nos conteúdos ensinados. Ao contrário do autor do comentário, eu não faço afirmações gratuitas baseadas numa experiência profissional supostamente incomunicável e incompreensível para quem está de fora.

Da utilidade do conhecimento
Quando o autor do comentário diz "Devia concentrar mais atenção p área acadêmica, pois é aí que se concentra a maior parte dos recursos, nessas pesquisas que ninguém lê e de pouca utilidade prática [...]", não percebe a incoerência em que acaba caindo. Afinal, as aulas de geografia do ensino médio tratam dos mesmos assuntos investigados "nessas pesquisas" que ele despreza! A minha tese de doutorado, por exemplo, trata das desigualdades econômicas regionais brasileiras, e esse tipo de conteúdo é ensinado nas escolas. No Departamento em que eu trabalho, os professores da área de geografia humana fizeram mestrados e doutorados em geografia econômica, política, rural, cultural... temas que estão presentes em todos os livros didáticos. 

Se os assuntos tratados nas pesquisas universitárias devem ser descartados por terem pouca "utilidade prática", então os alunos de ensino médio devem ter razão quando dizem que "geografia não serve pra nada", não é verdade?

Encerrando
Tudo isso não quer dizer que eu culpo o conjunto dos professores pela má qualidade do ensino brasileiro, pois não há dúvida de que existem muitos bons professores cujo trabalho não tem sido reconhecido pelo sistema escolar. Também não desconheço que os pais dos alunos têm grande parcela de culpa, já que não cobram resultados dos filhos e nem apoiam os professores quando estes são prejudicados em seu trabalho - além de desrespeitados - pela indisciplina dos alunos. Sou a favor de melhorar a remuneração dos professores, em todos os níveis, por meio de políticas de bonificações. E eu não discordo do fato de que o nosso Estado gasta demais com as universidades. Daí que as críticas que faço aos sindicatos dos professores do ensino médio e fundamental são as mesmas que dirijo às associações de professores universitários - às quais nem sou filiado, por sinal. Ver, por exemplo, os posts indicados abaixo:
  • Bônus para professores melhora qualidade do ensino
  • Sindicatos de professores universitários também não querem saber de bônus




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