Terra estrangeira
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Terra estrangeira


Pressionados a obter terras agriculturáveis, países desenvolvidos e emergentes, como China, Índia e produtores de petróleo do Golfo Pérsico, estão adquirindo ou arrendando vastas áreas em nações pobres, sobretudo na África

Por Madiodio Niasse, Praveen Jha, Rudolph Cleveringa e Michael Taylor
Técnico chinês examina cultivos em Cartum, no Sudão


Vários países estão investindo em terras agrícolas no Exterior, no esforço para garantir sua segurança alimentar nacional. O relatório Managing Water under Uncertainty and Risk (Gestão da Água sob Incerteza e Risco) do Programa Mundial de Avaliação da Água (WWAP, na sigla em inglês), define "aquisição de terras" como a conquista de direitos de posse sobre grandes áreas de terra por meio de compra, locação, concessão ou outros meios.

Em países desenvolvidos, o direito constitucional protege o mercado interno e os governos estabelecem obrigações para os investidores. Quando esse não é o caso, como em países pobres com base jurídica interna fraca ou incompleta em questões sociais, econômicas ou ambientais, os contratos e tratados internacionais podem gozar de direitos bem mais amplos.

Isso é particularmente relevante no caso de investimentos estrangeiros na agricultura, em que os direitos relativos a fatores como posse de terras nacionais, condições de trabalho em fazendas, água, gestão ambiental e produtos químicos podem ser fracos ou inexistentes.

Alguns dos investidores mais ativos em aquisições de terras transnacionais são os Estados do Golfo Pérsico, ricos em petróleo mas em situação de insegurança alimentar. Outros são empresas de países asiáticos populosos que sofrem escassez de terra cultivável. Também investidores de países desenvolvidos podem estar interessados. Em geral, os investidores privados são empresas ocidentais de produção e processamento de alimentos ou empresários atraídos pela demanda de biocombustíveis e por oportunidades relacionadas a fundos de investimento.
*Madiodio Niasse e Michael Taylor são, respectivamente, diretor e gerente de programas da International Land Coalition. Praveen Jha é professor da Universidade de Délhi e Rudolph Cleveringa é conselheiro do Fundo Internacional para o Desenvolvimento da Agricultura (Ifad).

Em 2007, a Arábia Saudita - um dos maiores produtores agrícolas do Oriente Médio - anunciou que cortaria a produção de cereais em 12% ao ano para reduzir o uso insustentável da sua água subterrânea. A fim de proteger a sua água e segurança alimentar, em 2008 o governo distribuiu incentivos a empresas sauditas para arrendar grandes extensões de terra na África, destinadas à produção agrícola. Investidores sauditas já alugaram terras no Egito, Sudão, na Etiópia e no Quênia.
 
À esquerda, técnicos chineses carregam vegetais produzidos em terras do Sudão que irão para o mercado de Pequim, abaixo. A China precisa de muita terra agrícola para alimentar a sua população.

Terras baratas
Empresas da Índia estão cultivando lentilhas, milho, cana-de-açúcar e arroz no Quênia, Senegal, Madagascar, Moçambique e Etiópia para alimentar seu mercado interno. Empresas europeias procuram 3,9 milhões de hectares de terras baratas da África para comprar, plantar e cumprir a meta de produzir 10% da demanda de biocombustíveis até o ano de 2015. Pode haver consequências negativas imprevistas em muitos países onde essas operações estão ocorrendo.

A Índia, por exemplo, comprou 1 milhão de hectares de terra na Etiópia, um dos países com maior insegurança alimentar no mundo. Investimentos estrangeiros mal regulados em terras que poderiam ser usadas para alimentar populações locais podem ter efeitos devastadores sobre o frágil estado da segurança alimentar nacional.

Outros riscos são o deslocamento de populações, a desapropriação de terras, os conflitos e a instabilidade à medida que vários grupos são tirados de locais onde criaram raízes. Há também efeitos ambientais negativos, à medida que a agricultura em proporção industrial requer fertilizantes, pesticidas, herbicidas e transporte, armazenamento e distribuição em grande escala. Muitos dos Estados onde a aquisição e o arrendamento de terras estão ocorrendo também têm estruturas de governança fracas, com pouca proteção legal e ambiental para as comunidades locais e ausência de mecanismos de partilha de benefícios.
Moradora de Cartum passa por cartazes à venda do xeque Zayed Al-Nahyan, dos Emirados Árabes Unidos, e do presidente Hu Jintao, da China, os maiores compradores de terras do país africano.

Para implementar sua política agrícola e de biocombustíveis, a China já investiu em terras na Indonésia, Tailândia, Malásia, República Democrática do Congo e Moçambique, entre outros países - e também nos Estados brasileiros da Bahia e do Piauí. Em 2020, o governo chinês prevê que 15% das necessidades energéticas de transporte do país serão atendidas pelos biocombustíveis. Como parte de seu plano maciço para reduzir gases de efeito estufa, a China substituirá anualmente 12 milhões de toneladas de óleo por dois milhões de toneladas de biodiesel e dez milhões de toneladas de bioetanol.

Riscos ambientais
A despeito da meta positiva de investir em energia "verde e limpa", as intervenções da China também causam desmatamento, ameaçam a biodiversidade por meio de monoculturas, aumentam os preços e reduzem os estoques de alimentos. O Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que a ampliação da demanda por biocombustíveis respondeu por 70% do aumento dos preços do milho e 40% da subida dos preços da soja entre 2006 e 2008.

As intervenções também causaram o deslocamento de populações, depois que a terra foi convertida em plantações, e escassez de água. A quantidade de água necessária para plantações de biocombustível é devastadora para regiões onde o líquido já é escasso, como a África Ocidental. Um litro de etanol obtido a partir da cana-deaçúcar requer 18,4 litros de água e 1,52 metros quadrados de terra.

A falta de um mecanismo de monitoramento ou de regulação supranacional para aquisição de terras cultiváveis possibilitou que o tamanho dessas áreas subisse de 15 a 20 milhões de hectares em 2009 para mais de 70 milhões de hectares em 2012. A África aparece de forma recorrente como o principal alvo desses negócios, com a África Subsaariana respondendo por dois terços das áreas em questão.

É típico desses negócios não envolver qualquer menção expressa à água. Nos poucos casos onde ela é abordada, não se especifica a quantidade de captações de água permitida. O especialista Alex Evans, autor de Managing Scarcity, cita uma declaração do presidente executivo da fabricante de alimentos Nestlé: "Com a terra vem o direito de retirar a água ligada a ela, na maioria dos países essencialmente um brinde que a cada vez pode ser a parte mais valiosa do negócio. E, porque essa água não tem preço, os investidores podem levá-la virtualmente de graça.

As consequências dessa tendência são nocivas para moradores pobres de áreas rurais forçados a competir por água escassa com agentes financeiros mais poderosos e tecnicamente mais bem equipados. Na África, o ritmo atual de aquisição de terras e as concessões relacionadas aos direitos de água para investidores criam ameaças concretas para a cooperação transfronteiriça em muitos sistemas fluviais, como as bacias dos rios Nilo, Níger e Senegal.
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