Shopping centers são alternativa para a má qualidade dos espaços urbanos no Brasil
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Shopping centers são alternativa para a má qualidade dos espaços urbanos no Brasil


O psicanalista Contardo Calligaris escreveu um texto sobre os "rolezinhos" que, embora baseado em opiniões pessoais dele e de pessoas que ele conhece, acaba revelando muito sobre a importância que os shopping centers assumiram no Brasil como espaços de lazer e de socialização. Ele afirma que, na Europa e EUA, os shoppings não são tão importantes como lugares de compras quanto são aqui e nem são vistos pelas pessoas como lugares para dar um rolê. Nesses países, as pessoas fazem compras em lojas e dão rolê nas ruas ou praças, em espaços abertos. Especificamente sobre os EUA, ele diz:
Em Manhattan também há lojas de departamentos (Saks, Lord and Taylor, Bergdorf, Barneys, Bloomingdale's, Macy's etc.), mas não são lugares para rolê - eventualmente, para expedições quase militares em dia de liquidações anuais. O único shopping center de Manhattan é o Manhattan Mall, do qual, aliás, os nova-iorquinos tendem a fugir.
Nas áreas suburbanas e rurais dos EUA, os shopping centers se parecem com os do Brasil. Mesmo assim, foi no Brasil que eu aprendi que dar rolês em shopping é um programa (ver aqui).
Na verdade, os shoppings já foram muito mais importantes para as grandes cidades dos EUA do que essa descrição do quadro atual faz crer. Os primeiros estabelecimentos desse tipo, embora remontem ao começo do século passado, só assumiram as características que o tipificam hoje após a Segunda Guerra, quando se deu mais efetivamente a massificação do automóvel e, por conseguinte, a expansão dos subúrbios. Havia estabelecimentos de tamanhos variados, e seu padrão locacional visava atender à população suburbana no trajeto casa-trabalho (Gaeta, 1988).

Foi somente ao longo dos anos 1990 que se instalou uma crise do segmento de shoppings nos EUA, a tal ponto que, no final desse período, havia centenas de estabelecimentos em processo de abandono e muitos já haviam sido demolidos para dar lugar a parques industriais, campi universitários ou corporativos. Os motivos apontados por urbanistas e consultores de varejo para explicar isso foram, segundo Elin S. Brockman (1999), os seguintes:
  • Saturação dos espaços de compras: além da construção de shoppings ter sido muito rápida nas décadas anteriores, houve um forte crescimento das vendas por catálogo e com entregas via correio, num processo que foi sendo potencializado pela internet.
  • Aumento da concorrência: os incorporadores reformaram antigos blocos comerciais nos centros das grandes cidades para simular o ambiente dos shoppings em espaço aberto; além disso, os consumidores começaram a dar preferência para lojas com grande variedade de produtos e estacionamento na porta, como Wall Mart, que economizam tempo quando se trata de deslocamentos feitos apenas para compras.
A essas razões, pode-se acrescentar também, ao menos como hipótese, a trajetória da criminalidade urbana nos EUA. Se nos anos de 1965 até o final da década de 1980 houve uma forte expansão da criminalidade nesse país, os anos 1990 assistiram a uma queda vertiginosa das taxas de homicídio e de outros indicadores de violência (Levitt; Dubner, 2007). Isso pode ter reduzido a importância da segurança oferecida pelos shoppings. Ademais, foi de 1990 em diante que Nova York não apenas derrubou a criminalidade como logrou revitalizar áreas até então decadentes, como a Brodway e o Central Park, por meio de inciativas combinadas do empresariado e do poder público.

E no Brasil?

Como visto em outro post (aqui), a construção de shopping centers, no Brasil, deslanchou a partir de 1980 e continua forte nos dias atuais. Sobre a importância que esses estabelecimentos assumiram como centros de lazer, Calligaris conta: "Uma amiga me diz que ela passeia pelos shoppings para ter a impressão de estar fora do Brasil, ou seja, num espaço público que não seja ansiógeno e violento".

Faz muito sentido. Como afirma o antropólogo Heitor Frúgoli Júnior (1992), os shoppings são "cidades intramuros" que funcionam como imagens invertidas da cidade real, com todos os seus problemas, e que são apropriados de formas diversas e por pessoas de todas as classes sociais. No Brasil das últimas décadas, a criminalidade explodiu - exceções feitas aos estados de São Paulo, desde 1999, e Rio de Janeiro, a partir de 2003. E, apesar da revitalização de vários espaços do centro da capital paulista, desde meados dos anos 1990, as grandes cidades brasileiras ainda deixam muito a desejar diante da utopia urbana que ascendeu com o capitalismo moderno. Se nos EUA a cidade real aproximou-se mais dessa utopia, no Brasil deu-se o contrário. 

Nesse sentido, a esquerda erra completamente quando acusa o suposto "elitismo" dos shoppings e o associam a um desejo de "auto-segregação" de pessoas endinheiradas. Quando os espaços abertos são agradáveis, ricos e pobres até lhes dão preferência, seja para compras rápidas ou para o lazer. No Brasil, a melhor opção continua a ser o espaço fechado dos shoppings, tanto para os ricos quanto para os pobres. 

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BROCKMAN, E. S. Modelo faliu e lojas viram escombros nos EUA. O Estado de São Paulo, 15 ago. 1999.

FRÚGOLI JÚNIOR, H. Os Shoppings de São Paulo e a trama do urbano: um olhar antropológico. In: FRÚGOLI JÚNIOR, H.; PINTAUDI, S. (org.). Shopping Centers: espaço, cultura e modernidade nas cidades brasileiras. 1. ed. São Paulo: Editora da Unesp, 1992.

GAETA, A. C. Acumulação e transformação do espaço urbano: o processo geral de formação dos Shopping Centers em São Paulo. Dissertação de Mestrado - FFLCH-USP, 1988. 234 p.

LEVITT, S.; DUBNER, S. J. Freakonomics: o lado oculto de tudo o que nos afeta. 1. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.




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