Geografia
Robôs e engenheiros: para onde vão os operários?
Rosalina Maria Costa*
Hoje, um fantasma ronda a vida dos trabalhadores: o desemprego. Para muitos estudiosos trata-se de um desemprego estrutural, isto é, causado pelas transformações que vêem ocorrendo no padrão ou modelo de desenvolvimento produtivo e tecnológico que dominava nos países capitalistas avançados. Tranformações essas que apresentam diferenças nos países que ocorrem, mas que de qualquer forma estão alterando a organização do processo produtivo e do trabalho em todos eles, e no resto do mundo também. Mudanças que afetam o conjunto do mundo do trabalho.
Os rôbos ou as novas tecnologias de produção parecem a primeira vista os únicos e mais cruéis causadores desse desemprego. No entanto existem outras razões de ordem econômica, social, institucional e geopolítica que, associadas a tecnologia, formam um conjunto que explica melhor aquilo que, para alguns analistas mais extremados significaria até mesmo o fim de uma sociedade organizada com base no trabalho.
O sistema capitalista, como todo sistema econômico apresenta transformações ao longo de sua história. As mudanças podem ser profundas, acumular tensões sociais e graves problemas econômicos, gerar crises, guerras, lutas e revoluções políticas, mas o sistema permanece fundamentalmente o mesmo, isto é, produtor de mercadorias cuja venda objetivam o lucro. Por isso o chamamos, indiferenciamente, de economia de mercado ou economia capitalista. Mas para que as empresas capitalistas produzam mais e mais mercadorias, com maior eficiência e melhores níveis de produtividade, ganhando em competitividade em relação a outras empresas, e sempre que possível, obtendo lucros crescentes, elas precisam criar e apliocar novas técnicas e bnovas formas de organização da produção e do trabalho, dividir funções com outras empresas, negociar salários, estipular taxas de lucros etc.
Mas o capitalismo não se restringe apenas às unidadedes empresariais e suas dinâmicas internas. Existem outros componentes e dinâmicas extremamente importantes na sociedade como um todo, que precisam ser levados em consideração inclusive porque interferem na vida das próprias empresa. Eles podem ser as formas institucionalizadas, tais como: regras do mercado, legislação social, moeda, redes financeiras em grande parte estabelecidas pelo Estado em formas de leis. Assim como as disputas entre o poder das nações, o comércio internacional, os gastos governamentais, a renda e o consumo de cada família, a qualidade dos recursos humanos, a previdência social, as convenções coletivas, as idéias produzidas etc.
Quando esse conjunto de elementos, e muitos outros, são razoavelmente ajustados e aceitos pela sociedade como um todo ( não se trata de um consenso pleno, pois sempre haverá oposições e tensões) estamos diante de um modelo de desenvolvimento capitalista dominante, com uma organização territorial correspondente. Até que uma nova crise ocorra e novos rearranjos sejam feitos na sociedade e no espaço.
Após a crise de 29, o modelo de desenvolvimento que paulatinamente passa a dominar entre os países de tecnologia avançada - Estados Unidos, Japão e países da Europa - mantidas suas especificidades, leva o nome de FORDISMO, pois nesse modelo estão incluídas formas de produção e de trabalho postas em prática pioneiramente nos Estados Unidos, nas décadas de 10 e 20, nas fábricas de automóveis do empresário norte-americano Henry Ford. O FORDISMO teve seu ápice no período pós-guerra, nas décadas de 50 e 60. Período que ficou reconhecido na história do capitalismo como Os Anos Dourados.
A crise sofrida pelos Estados Unidos, na década de 70 foi considerada uma crise do próprio modelo que apresentava queda da produtividade e das margens de lucros. A partir da década de 80 esboça-se nos países industrializados um novo padrão de desenvolvimento reconhecido como PÓS-FORDISMO ou MODELO FLEXÍVEL.
Para compreendermos as tendências do novo modelo flexível, baseado na tecnologia da informação que vem ameaçando os empregos, é necessário levantarmos, ainda que de forma simplificada, algumas carcaterísticas do modelo anterior - O FORDISMO - e algumas razões que levaram ao seu esgotamento.
FORDISMO
Período : O Fordismo surge nos países de industrialização avançad apartir da crise de 1929, sendo o seu auge de dominação nos anos 50 e 60.
Avanços tecnológicos : O Fordismo contou inicialmente com os avanços tecnológocos alcançados no fianl do século XIX como a eletricidade e o motor à explosão. Mais a frente incorporou os avanços da alta tecnologia demandada pela Segunda Guerra e que posteriormente passaram para uso da sociedade civil, como no caso dos materiais sintéticos e do motor a jato. E, finalmente, no pós-guerra começo a usufruir dos avanços cisntíficos alcançados nas áreas de eletrônica e da tecnologia de informação.
Organização da produção : Nas grandes indústrias longas esteiras rolantes levam o produto semi-acabado até os operários, formando uma cadeia de montagem. A produção dos diversos componentes é feita em série. O resultado é uma produção em massa que utiliza maquinaria cara e que por isso o tempo ocioso deve ser evitado a todo custo. Acumulam-se grandes estoques extras de insumos e trabalhadores para que o fluxo de produção não seja desacelerado. Os milhares de produtos padronizados são feitos para mercdos de massa. Os setores industriais mais destacados são os bens duráveis de consumo (automóvis e eletroeletrônicos) e os de bens de produção, destacadamente a petroquímica. Entre as décadas de 40 e 60 surge uma interminável seqüência de novos produtos, tais como: rádios portáteis transistorizados, relógios digitais, calculadoras de bolso, equipamentos de foto e vídeo.
Organização do trabalho: O trabalho passa a organizar-se baseado em métodos racionais, conhecidos como taylorismo que separam as funções de concepção (administração, pesquisa e desenvolvimento, desenho etc) das funções de execução: que subdivide ao máximo as atividades dos operários, que podem ser realizadas por trabalhadores com baixos níveis de qualificação, mas especializados em tarefas simples, de gestos repetitivos, e que reyém as decisões nas mãos da gerência. Esse "método americano" de trabalho se constitui de rígidas linhas hierárquicas comuma estrutura de comando partindo da alta direção e descendo até a fábrica. Os operários perdem o controle do processo produtivo como um todo, mas são rigidamente controlados por técnicos e administradores.
Organização dos trabalhadores : Crescimento e fortalecimento dos sindicatos. Os contratos de trabalho são assinados coletivamente. Os salários são ascendentes. Importantes conquistas de cunho social são realizadas, tais como: garantias de emprego, salário-desemprego e aposentadoria.
Mercado: Mercados de massa são garantidos com a ampliação da capacidade de compra dos próprios trabalhadores. Embora ocorra uma expansão dos mercados internacionais são os mercados internos que garantem o consumo da maior parte da produção. Surge a sociedade de consumo. Geladeiras, lavadoras de roupa automáticas, telefone e mesmo automóveis passam a ser produtos de uso comum. Serviços, antes acessíveis a minoria, como no caso do setor de turismo, se transformam em serviços de massa.
Papel do Estado: Ampliação e diversificação da intervenção social e econômica do Estado, inspirado nos princípios da teoria Keynesiana e do Estado do Bem-Estar Social. O Estado nacional de cárater Keynesiano passa a interferir mais diretamente na economia através, por exemplo, dos gastos públicos, dos planos de desenvolvimento regional, da criação de um número significativo de empregos no setor público e do atendimento às garantias reivindicadas pelos trabalhadores como no caso da garantia de empregos. E, o Estado do Bem-Estar Social desenvolve políticas destinadas a reduzir as desigualdades sociais, como as de transportes urbanos, habitação, saneamento, urbanização, educação e saúde.
Organização do território: A organização da produção e do trabalho reorganizam o espaço geográfico. O processo de urbanização se acelera. As unidades produtivas atraem umas as outras. Crescem ainda mais as regiões industriais. As cidades se transformam em grandes manchas urbanas. Suregem novos bairros residenciais e distritos industriais com o apoio e incentivo estatais. Crescem a construção civil e a massa construída de casas e prédios, em grande parte fomentada por programas governamentais de hipotecas e empréstimos. As metrópoles, com seus centros de negócios e de decisões constituídos pelas sedes sociais das grandes empresas incorporam os municípios vizinhos. Grandes regiões urbanizadas - as megalópoles - se formam entre duas ou mais metrópoles devido à polarização que essas exercem sobre as pequenas e médias cidades que se encontram ao seu redor. Intensos fluxos de pessoas e mercadorias integram o conjunto formado por essas cidades. Em todas as cidades intensificam-se o comércio, os transportes, as comunicações, os serviços em geral. As redes urbanas adensam-se. Diversificam-se as atividades culturais e de lazer. Crescem as universidades e centros de pesquisa e tecnologia. Mais capitais e trabalhadores são atraídos. A Geografia do Fordismo é a das grandes concentrações urbano-industriais.
O modelo fordista que floresceu no pós-guerra dependia da subida constant dos salários para manter o mercado ativo, ou seja, níveis de produção e consumo crescentes. Mas os salários não podiam crescer a ponto de ameaçar os lucros empresariais. Por isso mantêm-se os niveis salariais e lucros através do aumento dos preços dos produtos, gerando uma crise inflacionária. Nos Estados Unidos o gastos públicos se agigantavam tanto internamente quanto externamente - a guerra do Vietnã é um exemplo. A moeda americana fica debilitada. Esse país que durante todo esse período de domínio do modelo tivera o papel de assegurara aestabilidade da economia mundial, com base em sua moeda - o dólar - vê esse sistema monetário declinar. A competitividade da Europa e do Japão superavam a dos Estados Unidos. Assistia-se a uma verdadeira guerra comercial, que nunca deixou de crescer.
A partir da década de 70, a saída é invstir num novo modelo que rompa com a considerada rigidez do modelo FORDISTA. A ordem é flexibilizar, ou seja, golpear a rigidez dos processos de produção, nas formas de ocupação da força de trabalho, nas garantias trabalhistas e na rigidez dos mercados de massa, agora saturados.
As firmas multinacionais, para restabelecer sua rentabilidade, expandem espacialmente sua produção por continentes interiros. Surgem novos países industrializados. Os mercados externos crescem mais que os mercados internos. O capitalismo internacional reestrutura-se.
Os países de economias avançadas precisam criar internamente condições de competitividade. A saturação dos mercados propicia uma produção diversificada para atender consumidores diferenciados. Os contratos de trabalho passam a ser mais flexíveis. Diminui o número de trabalhadores permanentes. Cresce o número de trabalhadores temporários. Flexibilizam-se os salários - crescem as desigualdades salariais, segundo a qualificação dos empregados e as especificidades da empresa. Em muitas empresas, junta-se o que taylorismo separou: o trabalhador pensa e executa. Os sindicatos vêem reuzidos seu poder de representação e de reinvindicação. Amplia-se o desemprego. Os compromissos do Estado do Bem-estar social vão sendo pouco a pouco rompidos. Eliminam-se, gradativamente, as regulamentações do Estado. As políticas keyneisianas, que se revelaram inflacionárias, à medida que as despesas públicas aumentavam e a capacidade fiscal estagnava, forçam o enxugamento do Estado.
A tranformação do modelo produtivo se apoia nas tecnologias que já vinham surgindo nas décadas do pós-guerra - automação e robotização - e nos avanços das nova tecnologias da informação. O método de produção amricano é substituído pelo métod japonês de produção enxuta que combina máquinas cadavezmais sofisticadas com uma nova engenharia gerencial e administrativa de produção - a reegenharia, que tende a eliminar a organizaão hierarquizada. Agora engenheiros de projetos, programadores de computadores e operários interagem face a face, compartilhando idéias e tomando decisões conjuntas.
O novo método, rotulado por muitos como toyotismo, numa referência a empresa japonesa Toyota, utiliza menos esforço humano, menos espaço físico, menos investimentos em ferramentas, menos tempo de engenharia para desenvolver um novo produto. A empresa que possui um inventário computadorizado, juntamente com melhores comunicações e transportes mais rápidos, não precisa mais manter enormes estoques. É o just in time (de entregas na hora),
o que lhe permite variar a produção de ma hora para outra, atendendo as constantes exigências de mudança do mercado consumidor e das mudanças aceleradas nas formas e técnicas de produção e de trabalho. A ordem é: estoques mínimos.
As grandes empresas repassam para pequenas e médias empresas subcontratadas um certo número de atividades, tais como de concepção de produtos, pesquisa e desenvolvimento, produção de componentes, segurança, alimentação e limpeza. Com essa chamada terceirização as grandes empresas reduzem suas pesadas e onerosas rotinas burocráticas, reduzem as despesas com encargos sociais e concentram-se naquilo que é estratégico para a empresa.
A produção flexível vem transformando velhas e ela borando novas geografias locais, regionais e
internacionais, na medida em que ocorrem redistribuições espaciais dos investimentos de capital produtivo e especulativo e consequentemente redistribuição espacial do trabalho. Numerosas empresas transferem das tradicionais concentrações urbanas e regiões industriais congestionadas, poluídas e sindicalizadas, para as periferias nacionais, onde a organizção e o poder e luta dos trabalhadores é pouco significativa. Surgem novos complexos de produção localizados - os complexos científicos-produtivos, ligados a universidades e centros de pesquisa onde as inovações são constantes. Um caso exemplar desses complexos e o do Vale do Silício, na Califórnia - Estados Unidos, cujo modelo se difundiu por vários países. Nele a Universidade de Stanford juntamente com empresas de ramos de microeletrônica criaram um parque tecnólogico
cuja fama cresceu, com a produção de semicondutores e o uso do silício como matéria-prima para sua fabricação. O Vale do Silício faz parte de uma área maior da baía do São Francisco onde se estabeleceram numerosas indústrias de alta tecnologia, onde são encontradas pessoas altamente qualificadas e mão-de-obra pouco qualificada constituída de mulheres e imigrados e onde nível da sindicalização é muito baixo. Tecnopolos também são encontrados no interior das tradicionais regiões industriais que vêem se modernizando, como no casoda região industrial de Frankfurt na Alemanha: ou ainda daquelas que procuram sair de uma situação de estagnação, como no caso da região de Turim, na França.
O sistema just in time exige também uma reorganização do território. As empresas subcontroladas pelas grandes empresas se aglomeram em torno da planta terminal de produção criando um novo tipo de aglomeração produtiva. Este é o caso da fábrica da Volkswgen, instalada em Rezende, no Estado do Rio de Janeiro, que vem atraindo outras empresas que produzirão, no chão da fpabrica da própria Volkswagen, componentes utilizados na produção de ônibus e caminhões.
Sem nenhuma dúvida vivemos hoje mudanças profundas que se refletem no mundo trabalho. Para os mais otimistas a questãodo desemprego tecnológico será resolvida pela própria tecnologia avançada que exigirá o surgimento de novos setores produtivos e de atividades humanas a ela ligaos, exigindo assim, novos trabalhadores. Para outros, o sonho dos empresários de fábricas sem operários está prestes a ser realizado. Também nos setores agricolas e de serviços as máquinas, substituem o trabalho humano. Corporações multinacionais anunciam que estão cada vezmais competitivas, e ao mesmo tmpo anunciam demissões em massa. A questão que se cooca nesse final de século é: para onde vão os trabalhadores? A resposta dependerá da posição assumida pelas sociedadades como um todo.
Bibliografia
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