O acidente com o vôo 447: reflexões sobre os interesses do Brasil no Atlântico Sul
Edson Tomaz de AquinoO Atlântico Sul não é elemento novo na política externa brasileira nem nos assuntos sobre a defesa nacional. Está presente desde a formação do país, com a chegada dos portugueses e todo o esforço em combater a presença de invasores, como se pode ainda hoje observar com as fortificações erguidas ao longo de toda a costa.
A crise do petróleo nos anos 70 ampliou a visão sobre a relevância da fronteira marítima para o país, não apenas como rota comercial, mas principalmente como área de recursos econômicos a serem explorados. Por diversas vezes, o país teve que rechaçar a presença ilegal de embarcações pesqueiras em suas águas. Exemplo disso foi o esforço que o país empregou para a delimitação de seu mar territorial em 200 milhas.
A Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar (CNUDM), realizada em 1982, em Montego Bay, na Jamaica, surgiu como desdobramento dos debates do início dos anos 70, em que o Brasil teve papel relevante ao fixar o limite das 200 milhas náuticas. A CNUDM, em seu artigo 76, estabeleceu o processo pelo qual os países deveriam demarcar os Limites Exteriores da Plataforma Continental além das 200 milhas náuticas (LEPLAC). Segundo a Convenção, cada país deveria apresentar pedido de ampliação de sua plataforma no prazo de dez anos, depois que tivesse ratificado a convenção. O Brasil ratificou a CNUDM em 1994 e, portanto, deveria encaminhar seu pedido até 2004.
O mapeamento cientifico da plataforma continental brasileira começou a ser feita em 1987. O trabalho foi coordenado pela Marinha, em que foram investidos US$ 40 milhões, metade desse custo financiado pela Petrobrás. O levantamento, finalizado em 2004, foi apresentado à ONU, em que foi reivindicada a inclusão em sua plataforma de cinco áreas: cone do Amazonas, cadeia Norte brasileiro, cadeia Vitória e Trindade, platô de São Paulo e margem continental Sul.
Somente em abril de 2007 a ONU autorizou o Brasil a ampliar os limites de sua fronteira marítima, ao aprovar integralmente a inclusão do platô de São Paulo. As demais áreas reivindicadas foram aprovadas em 75%. Entretanto, a Marinha informou que o país continuaria reivindicando o restante da área mapeada.
A ampliação da área marítima sob a soberania brasileira incorporou novas obrigações do país no Atlântico Sul. Além de vigiar e monitorar seu mar territorial, cabe ao Brasil como signatário da Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar e da Convenção Internacional sobre Busca e Salvamento Marítimo, determinadas obrigações. Dentre elas, destaca-se o estabelecimento de um sistema de controle de posição de navios localizados no interior de área marítima sob sua responsabilidade, e resgate e salvamento de embarcações e náufragos. Para essas atividades, a área marítima considerada vai além dos 4,5 milhões de km² consagrados pelos limites da plataforma continental brasileira e atinge quase 14 milhões de km².
Políticas públicas para o desenvolvimento da pesca, da navegação de cabotagem, de pesquisas científicas, e mesmo atividades turísticas, englobam estratégias que buscaram aliar fatores não tradicionais de poder às ações exclusivas à esfera militar. Por outro lado, desdobram-se em políticas desenvolvimentistas no plano doméstico.
O reconhecimento da independência de Angola, nos anos 70, rompe um tratado não escrito com Portugal e marca o início de um processo de aproximação com a África Atlântica. O apoio do Brasil à Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), a abertura de novas embaixadas e a parceria estratégica com a África do Sul refletem o esforço do país nessa direção. O projeto antártico brasileiro, com a instalação de base científica naquele continente, também visa ampliar a presença brasileira no Atlântico Sul.
Se por um lado o Brasil buscou se aproximar da África e se fazer mais presente no Atlântico Sul, por outro procurou afastar a presença de potências, como os Estados Unidos. Os interesses de Washington, nitidamente mais presentes em outras regiões e a relevância secundária do Atlântico Sul em questões de segurança, tornam a região uma das menos militarizadas do planeta. França e Reino Unido, entretanto, conservam possessões territoriais no Atlântico Sul, o que de certa forma favorece sua presença na região. A criação da Zona de Paz de Cooperação do Atlântico Sul, que teve o Brasil como um dos principais idealizadores, congrega apenas os Estados das margens americana e africana banhadas pelo Atlântico Sul. Afastar a presença de potências e garantir a manutenção do Atlântico Sul como área de paz e cooperação e santuário ecológico, por exemplo, permitem que os gastos com a defesa sejam minimizados.
O caráter dissuasório dessa política harmoniza-se com a escassez de recursos alocados no orçamento militar. Ainda que se considere um aumento expressivo nos investimentos militares para a defesa dos interesses brasileiros no Atlântico Sul, a cooperação e o direito são instrumentos imprescindíveis e fazem parte da tradição diplomática do país. São recursos que se coadunam perfeitamente aos laços históricos e culturais que o Brasil possui com a África. Também estão ajustados ao atual contexto político da região, de redemocratização e de abandono de programas de desenvolvimento de armas nucleares.
As operações de busca por vítimas do Airbus da Air France, pelos destroços e pela caixa preta, ocorrem com auxílio internacional. Nada a se opor à participação estrangeira, principalmente por se tratar de um fato que envolve interesses multinacionais. Contudo, a participação do Brasil nas operações de resgate, naquilo que lhe cabe, coloca à prova a capacidade do país em lidar com situações de desastre em seu mar territorial, a chamada ?Amazônia Azul?. A escassez de recursos econômicos, em especial o petróleo e a inserção crescente do tema ambiental nas relações internacionais, podem gerar especulações semelhantes a que temos visto em relação à floresta amazônica. Para monitorar e proteger um imenso mar territorial e ao mesmo tempo atender às obrigações contraídas em tratados internacionais, o país necessita aplicar recursos tecnológicos adequados e suficientes para proteger área vital aos interesses nacionais, em sintonia com a força da tradição diplomática do país.
Edson Tomaz de Aquino é Doutor em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo ? PUC-SP e coordenador do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Lusíada ? Unilus (
[email protected]).
Boletim Meridiano 47
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