Protestos de indígenas no Mato Grosso do Sul, que esperam voltar às terras dos ancestrais, mas enfrentam resistência de governo e violência dos fazendeiros. Fotos: Cimi
Em suma: está sendo criado um dos maiores entraves para a demarcação das terras indígenas no Brasil, ao mesmo tempo em que se estabelece uma gigantesca insegurança jurídica sobre quase 13% do território nacional, que é de uso exclusivo dos povos indígenas, com a possibilidade de o Legislativo revisar as demarcações já homologadas e registradas.
Quando a Constituição Federal abraçou os direitos indígenas, em 1988, coube à Funai demarcar as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, tarefa que deveria ser feita em cinco anos. Bastariam atos administrativos: identificar os índios, o território que ocupam tradicionalmente, e destinar o uso exclusivo a eles, demarcando fisicamente o território, que passaria a ser área da União.
Passados quase 25 anos da Lei Magna, segundo levantamento do Instituto Socioambiental, há 670 terras indígenas no País, que servem a 238 povos. Historicamente, um dos principais entraves foi uma portaria de autoria de Nelson Jobim que estabeleceu um ?contraditório? ao ato administrativo. A uma simples identificação do território indígena, agora os ocupantes não-índios poderiam contestar a pretensão. O freio nas demarcações foi imediato, assim como o aumento dos conflitos entre índios e não-índios ? maior exemplo, o caso dos kaiowa e guarani no Mato Grosso do Sul.
A mudança é vista como um retrocesso por deputados que votaram contra. Sarney Filho, do PV, disse esperar que ?o governo passe a exercer, cada vez mais, a sua influência para estancar essa onda de atraso na legislação ambiental que está ocorrendo aqui na Câmara?. Rosane Ferreira, também do PV, considerou ?lamentável que essa tenha sido a decisão da maioria dos deputados?. Segundo ela, ?Não podemos correr o risco de ter uma delimitação de terras desorganizada e que essas comunidades indígenas percam suas terras que são um direito milenar?.
Foto: Marcello Casal Jr/ABr
O deputado Paulo Teixeira, do PT, afirmou no twitter: ?Um retrocesso a votação da admissibilidade da PEC-215 na CCJ, que dá ao Congresso poderes para aprovar a homologação de terras indígenas. Na primeira tentativa de emplacar a emenda, o deputado Luiz Couto (PT), apresentou um requerimento onde conseguiu adiar a votação por falta de quórum. Mas não foi suficiente.
As terras indígenas são as unidades de conservação mais preservadas no Brasil. Segundo dados do INPE, 98,8% das reservas na Amazônia estão preservadas. Não será pequeno o constrangimento do Brasil na cúpula dos povos da ONU, que ocorre no Rio de Janeiro em junho, 20 anos após a Eco 92, caso venha a ser enfraquecido o direito dos índios a um território. Tal qual assombra o fantasma do Código Florestal, além de outras medidas legais que restringem a proteção da natureza, como normas que diminuem o poder de fiscalização do Ibama.
A PEC 215 não é a única ameaça aos direitos indígenas, aponta Raul Telles. Esta em andamento um projeto que regulamenta a mineração nas terras indígenas, estabelecendo um valor de royalties em torno de 1% (no Canadá, pode alcançar 50%). E corre em passos largos e muito rapidamente o lobby das mineradoras para garantir seu filão nos ricos subsolos dos índios. Encontros entre lideranças indígenas e empresários do ramo têm se tornado frequentes, assim como boatos na imprensa de negócios que teriam sido fechados.
Maior reserva energética do país, os rios da Amazônia estão na mira das empresas de energia, e, como cerca de 20% da Amazônia brasileira constitui terras indígenas, o impacto é inevitável. Belo Monte e as usinas do complexo Madeira são exemplos de empreendimentos com impactos claros sobre os índios, mas com compensações muito mais nebulosas. Até mesmo em área ocupada por povos indígenas sem contato (os ?índios isolados?), segundo uma fonte na Funai, há projetos para a construção de usinas hidrelétricas.
Revista Carta Capital