Geografia
Crianças jogam fora merenda escolar saudável! É justo o Estado pagar por isso?
Na semana passada, tive o prazer de ministrar um curso para professores de geografia da rede pública do Paraná no âmbito do Programa de Desenvolvimento Educacional - PDE. Entre diversos questionamentos e perguntas interessantes feitas pelos professores, vou destacar agora uma revelação que desfaz a imagem popular a respeito dos alunos da rede pública e da pobreza brasileira. Ocorre que, durante uma discussão sobre a abordagem que os livros didáticos fazem dos temas da reforma agrária e da fome, os professores contaram que, nos colégios em que lecionam, existe um enorme desperdício de merenda escolar, especialmente depois de ter sido adotada a diretriz de fornecer alimentos menos calóricos!
Há alunos que se recusam a comer a merenda considerada saudável - ainda que não todos os dias -, e uma grande parte deles simplesmente deixa no prato metade ou mais de tudo o que lhes é servido. Certas frutas, como banana, são tão desprezadas que muitos alunos não comem e aqueles que o fazem são alvo de chacota. E, ainda por cima, existem as guerras de comida! Uma professora contou que, num dia em que a escola serviu cachos de uva como sobremesa, houve uma balbúrdia tão grande que as faxineiras levaram dias para remover completamente os restos de uvas esmagadas, que grudaram em todos os cantos possíveis, sem falar nas paredes!
Em meio a esses relatos, um dos professores fez uma observação muito pertinente: as pessoas não valorizam o que lhes é dado de graça.
É uma grande lição, e que já vem de muito tempo. Num de seus livros autobiográficos, o escritor José Mauro de Vasconcelos (1920-1984), famoso pela obra Meu pé de laranja lima, narra que, quando era criança, e estudava num internato religioso, cada aluno ganhava umas duas ou três bolachas para comer depois do jantar, quando ia para a cama. Daí que, como se tratava de bolachas muito baratas, e duras feito pedra, o dormitório acabava se transformando num campo de batalha - ele diz que, certa vez, um dos alunos ficou com o nariz sangrando por conta de uma "bolachada". Conta também que sentiu-se profundamente arrependido quando um padre de que ele gostava muito chamou a atenção dos alunos, com brandura, para o fato de que os retirantes famintos que costumavam chegar à cidade nos anos de seca muito intensa ficariam extremamente felizes se tivessem a chance de comer bolachas de má qualidade como aquelas que os alunos desperdiçavam.
Será que esse tipo de argumento conseguiria fazer pesar a consciência de nossos alunos da rede pública quando eles resolvessem destruir, só de brincadeira, cachos de uva, bananas e outros alimentos saudáveis e de boa qualidade? A resposta parece ser um sonoro "não", pois esse é um argumento óbvio, e que os educadores com certeza já usam com seus alunos. Quando José Mauro de Vasconcelos era criança, talvez esse apelo fizesse mais efeito, mesmo em crianças não tão sensíveis quanto ele. Afinal, até os anos 1940, quando o geógrafo Josué de Castro escreveu o célebre Geografia da fome, o Brasil ainda era um país onde a desnutrição era tão grande que se fazia facilmente visível para qualquer pessoa. Hoje, é muito raro que estudantes pobres convivam com a fome, seja em casa ou nas ruas.
Quanto às políticas públicas, vale lembrar que é hegemônica, no Brasil, em Portugal, e em diversos outros países, a visão de que o Estado é e deve ser, cada vez mais, o provedor de todos os bens, desde comida, passando por moradia e mobiliário, até acesso à internet. Mas, como disse aquele professor que alertou para o fato de que ninguém valoriza o que lhe é ofertado gratuitamente, a verdade é que os alunos haveriam de ter uma postura diferente em relação à merenda se seus pais tivessem de pagar por ela. Ou, se mesmo assim não tivessem consideração, ao menos acabaria esse descalabro da sociedade pagar para crianças bem alimentadas jogarem comida umas nas outras.
Nesse sentido, não seria melhor cobrar pela merenda e distribuir vales para aqueles poucos alunos realmente muito pobres, vales esses que só poderiam ser trocados por merenda, e na própria escola onde cada aluno estudasse? Seria uma medida racional e justíssima, mas que destruiria o eleitorado de qualquer político que ousasse aplicá-la. Sendo assim, vamos continuar pagando guerras de comida entre crianças "carentes".
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