O desenvolvimento econômico do México tem sido um tema recorrente no Geografia e tal. Não faz muito tempo que publiquei uma postagem, baseada numa matéria da BBC Brasil, intitulada E lá vem o México!, que comparava os perfis e estabelecia perspectivas sobre o que o futuro próximo reserva para os dois gigantes latino-americanos.
Agora, foi a vez do site de O Globo publicar uma ótima e abrangente reportagem que, mais do que semelhanças, aponta diferenças cruciais de estratégia entre os dois países, que, segundo os especialistas, podem influenciar diretamente na tomada de posição mexicana como maior economia do continente americano, atrás, somente, dos Estados Unidos.
O interessante é que o texto, ao destacar o desconhecimento brasileiro em relação aos herdeiros de Montezuma, aborda alguns temas que costumo enfocar nas minhas aulas, entre eles, a enganosa impressão de total subordinação aos estadunidenses e a visão estereotipada que temos do México e dos mexicanos.
Leia a seguir o artigo de Manuela Andreoni e Barbara Marcolini.
México ameaça desbancar o Brasil como maior economia da América Latina
Crescimento pífio do PIB e acertos do México têm dado margem para que economistas esperem mudança de posição
Se o gigante continua adormecido, outro pode ocupar seu lugar. Com o desempenho pífio da economia, o velho apelido do Brasil volta a assombrá-lo, mas desta vez outro país parece estar à espreita para assumir o posto de estrela ascendente da América Latina. É fácil adivinhar que nação é essa, afinal não começou ontem a disputa entre Brasil e México pelo título de maior economia da região - desde 1980, atroca de posições ocorreu seis vezes, com vantagem para a economia brasileira. Nos últimos meses, analistas têm indicado que os latino-americanos do norte podem voltar a sonhar com o topo do ranking da região. Há até quem finque a data em 2022. O valor do PIB mexicano ainda é menos da metade do brasileiro. Mas, por mais que longínqua, a possibilidade de fim do reinado brasileiro na América Latina - iniciado, da última vez, em 2005 - é fortalecida por acertos do México e, principalmente, por erros e tensões no Brasil.
Esta semana, o ?Financial Times? sugeriu que o caminho para o desenvolvimento brasileiro é muito maior e mais complexo do que os investidores pensavam. Já a revista britânica ?The Economist? ressaltou há dois meses o fortalecimento da indústria mexicana, contra um Brasil dependente demais da exportação de commodities. Este ano, enquanto o IBGE anunciava, para surpresa até de pessimistas, um crescimento de 0,6% do PIB no terceiro trimestre, o México mostrava uma cifra cinco vezes maior, de 3,3%. Ao que tudo indica, o PIB mexicano deve crescer quatro vezes o brasileiro este ano - 4%, contra 1%. Com uma política econômica mais aberta, que tem rendido frutos e parcerias, os mexicanos, porém, ainda têm muito que resolver nas próprias terras, como o enorme problema do narcotráfico. Contudo, há quem diga que é o Brasil, com um forte viés protecionista e uma economia de resultados ruins, quem está abrindo passagem.
- Não é que (os investidores) estejam fugindo. Mas a atratividade da economia brasileira e a entrada de estrangeiros, em relação aos vizinhos da América Latina, estão diminuindo. O governo ainda não entende que fechar o país como tem feito só vai prejudicar o crescimento de longo prazo - opina o economista Sérgio Vale, da MB Associados - O México se torna, sim, um candidato a ser a nova estrela da América Latina, pois tem um mar de reformas para serem feitas e desejo de seus governantes de fazê-las, além de estar próximo do mercado americano.
Para analistas, os resultados brasileiros - os sinais apontam que o país fechará o segundo ano de baixíssimo crescimento - refletem uma oportunidade perdida. Quando tudo era azul, antes da crise de 2008, o país perdeu a oportunidade de fazer as reformas necessárias ao ambiente econômico, como as mudanças tributárias e os investimentos em infraestrutura. A flexibilização, aos olhos de especialistas, do tripé econômico - metas de inflação, metas de superávit primário e câmbio flutuante - tornou o país menos confiável aos investidores. Hoje, muitos não conseguem prever os movimentos da política econômica - como as bandas entre as quais o câmbio, flutuante, varia. Além disso, políticas de curto prazo, como alteração na cobrança de certos impostos, tornam o ambiente mais imprevisível.
Para Hildete Pereira de Melo, professora do departamento de Economia da UFF, a política adotada pelo governo, com a queda da taxa de juros a níveis historicamente baixos, mira o crescimento econômico, mas gerou desconfiança no setor privado e no capital financeiro, acostumado a juros muito altos no Brasil. Ela acredita que a falta de investimento privado, reflexo da falta de diálogo com as políticas do governo, é a principal causa do crescimento baixo. Para Hildete, os problemas têm um fundo de disputa política.
- (O crescimento) Não está acontecendo porque há uma tensão política entre o capital financeiro, os empresários brasileiros e o governo. Há uma desconfiança da estatização econômica, na origem do partido da presidente. Acho que é gratuita a desconfiança. O governo já sinalizou que não é estatizante - opina a professora, que a acredita que a aproximação do período de eleição presidencial pode esquentar ainda mais essa disputa. - Eles (os investidores) não querem trabalhar com um cenário diferente do que foi na última década (com juros muito altos). Tentam mudar o rumo (da economia) e voltar. A presidente pode se vestir de baiana que não vai conquistar corações e mentes. A taxa de juros é a queda de braço.
Já o economista do BNDES Fabio Giambiagi defende que os erros são do governo e não deixam espaço para ?oba-oba?. Para ele, mesmo quando a economia brasileira ia bem, havia indícios de um futuro de crescimento baixo:
- As raízes dos nossos problemas estão lá atrás (antes da crise de 2008), no descaso daqueles anos com uma intensificação da poupança doméstica, com uma melhora mais acentuada da educação, com um crescimento maior da produtividade etc. A isso veio a se somar, já no governo Dilma, um conjunto de incertezas potencializadas pelas políticas do governo, com destaque para a insegurança em relação à inflação e os problemas em série acumulados nos setores de energia e petróleo.
Com os problemas do Brasil para crescer deflagrados, em setembro, o banco de investimento Nomura publicou um relatório atestando que o PIB mexicano ultrapassará o brasileiro em 2022. Para a instituição, ao longo da próxima década, o crescimento médio será de 2,75% a 3,25% no Brasil e de 4,25% a 4,75% no México. Com uma perda de 6% do PIB em 2009 no currículo, depois de décadas de abertura econômica, o México levanta-se das cinzas com diversas reformas e acordos que fazem brilhar os olhos dos investidores. A partir do ?Pacto pelo México?, uma aliança entre os três maiores partidos políticos do país, o governou federal aumentou sua capacidade de fazer acordos e reformas. Com mudanças nas leis trabalhistas em curso e a perspectiva de abertura no mercado petrolífero, o país tem se destacado por ter uma política econômica mais aberta e prudente. Ou seja, sem mudanças bruscas. O tamanho da carga tributária e o fortalecimento do setor industrial, que tem ganhado forças com a diminuição do ritmo de crescimento da China, também são pontos positivos.
Já a dependência da economia mexicana em relação aos Estados Unidos pesa contra o país. Diferentemente do Brasil, que nos últimos anos fortaleceu muito seu mercado interno - hoje a garantia de crescimento brasileiro -, o México tem uma economia muito mais baseada em exportações e só agora começa a fortalecer o consumo dentro do país, principalmente pela expansão do crédito e pelos remessas enviadas pelos imigrantes mexicanos nos Estados Unidos. Segundo o diretor sub-regional da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal) no México, Hugo Beteta, 83% das exportações mexicanas vão para seu vizinho de cima. No entanto, em um momento em que a economia americana se recupera da crise, as exportações mexicanas crescem e o país colhe frutos dessa parceria. Além disso, explica Beteta, hoje se veem os resultados de uma forte pressão para que o país diversifique suas parcerias comerciais.
- Acho que, dentro da política exterior mexicana, há evidências de um maior interesse de comércio com a Ásia e a Aliança do Pacífico - analisa o pesquisador.
Criada este ano, a Aliança do Pacífico é o novo bloco econômico da América Latina, formado por México, Peru, Colômbia e Chile. Com sua criação, é possível reconsiderar o papel mexicano de liderança na América Latina. Afinal, enquanto a Aliança reúne países liberais com uma boa ficha no mercado, o Mercosul amarga decisões polêmicas, como a inclusão da Venezuela no bloco - hoje, a Bolívia assinou o protoloco de adesão ao bloco, mesmo caminho que a terra de Hugo Chávez percorreu - e a falta de um modelo coerente e estável. O perfil protecionista dos países do grupo - Argentina, Paraguai, Uruguai, Venezuela e Brasil - contrasta com os diversos acordos bilaterais já formados pelas nações da Aliança do Pacífico, que nasce com fortes relações econômicos com a Ásia.
O Mercosul tem de se preocupar com isso?
- Sobretudo o Brasil, que se inquieta muito com o crescimento do México. Afinal, eles disputam investimento. Esse é o drama da América Latina. Os países latino-americanos não têm capital, nunca tiveram, para promover desenvolvimento sem investimento externo internacional. A região inteira disputa os investidores internacionais ? analisa o professor de Relações Internacionais do Iuperj e da UFRJ Marcelo Coutinho.
Com a volta do PRI do novo presidente Enrique Peña Nieto ao poder no México, após 12 anos no escanteio, o coordenador da cátedra de Economia Global e Desenvolvimento Sustentável da Unesco, Theotonio dos Santos, acredita que a importância da América Latina deve crescer na agenda do governo mexicano. Para Santos, o PRI tentará recuperar a liderança na região.
- O México vai disputar uma liderança com o Brasil, mas não abertamente. Não interessa que essa disputa seja aberta - analisa o pesquisador - Infelizmente, a diplomacia brasileira conhece muito pouco o México. Para o Itamaraty, o México é totalmente subordinado aos Estados Unidos. O Brasil não está percebendo essas mudanças.
Outros analistas defendem, no entanto, que análises como a do Nomura, de superação da economia brasileira pela mexicana, são prematuras. O chefe da Cepal no Brasil, Carlos Mussi, argumenta que, atualmente, tanto o PIB quanto os investimentos estrangeiros no Brasil equivalem a mais que o dobro dos valores do México, e que outros países da região também estão sofrendo os reflexos da crise econômica mundial. Mussi acredita que o Brasil vá manter o seu crescimento dentro das atuais características, com estabilidade macroeconômica e inclusão social, e garante que a sua liderança na América Latina não está sendo questionada.
Para além da estabilização do seu crescimento econômico, o governo mexicano tem muito com o que se preocupar. O narcotráfico não é um problema de fácil solução e levará muitos anos para ser contornado. Para Coutinho, qualquer análise econômica tem de levar em conta que, se o México não resolver seus problemas internos, pode ser complicado seu governo ?ser líder do próprio México?.
- A vida do México ainda é mais difícil que a do Brasil. Eles não podem pleitear uma liderança internacional se vivem à beira de uma fragmentação interna - explica Coutinho.
Problemas, portanto, as duas maiores economias da América Latina têm de sobra, e, talvez, a disputa não seja a melhor saída para solucionar o impasse. Alguns pesquisadores defendem que um acordo entre os dois gigantes seria extremamente benéfico para fortalecer a posição da região no mundo. As duas maiores economias da América Latina, juntas, representam cerca de 80% da exportações e 58% do PIB da região, segundo Beteta, da Cepal:
- A concorrência entre o Brasil e o México não tem muito sentido. Tanto o México quanto o Brasil têm bom potencial de crescimento nos próximos anos. Para os dois países, serão cruciais a capacidade de reformas e a vontade de se integrar.
O Globo - 08/12/12
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