Falou-se em cem mil mortos, 200 mil, em 500 mil e os últimos números apontam para 50 mil. Por que razão há valores tão diferentes para os mortos do sismo de terça-feira no Haiti? Como se estima o número de vítimas de uma catástrofe natural?Só por si, a disparidade de valores na tragédia do Haiti é reveladora da dificuldade em fazer cálculos deste género, tanto antes de um sismo como depois. Antes de mais, os modelos usados na simulação do número de vítimas requerem a introdução de informação diversa, como a densidade populacional na região afectada, a intensidade do sismo sentida no local ou o número de edifícios danificados, explica o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) numa nota enviada por e-mail em resposta ao pedido de informação sobre como se estimam as vítimas de uma catástrofe, recusando a possibilidade de uma conversa com um especialista.
A magnitude do sismo, a distância da zona afectada ao ponto de origem do sismo ou as características da falha que o originou são outras informações importantes. Para aumentar o rigor dos cálculos, é necessário saber onde se encontravam as pessoas no instante do sismo e qual a vulnerabilidade sísmica dos vários tipos de construções, acrescenta o LNEC. A altura do dia em que ocorre o sismo (e, portanto, se as pessoas estão mais em casa ou na rua) e a capacidade económica dos países onde se deu o desastre também influencia o número de vítimas.
Vários são, no entanto, os problemas com que se depara a construção de modelos para o número de vítimas: vão desde a fraca qualidade dos dados documentais, a dificuldade em estabelecer uma relação entre o número de vítimas e a vulnerabilidade dos edifícios em que se encontravam até às condições adversas após o sismo, como as epidemias e a fome, ou ao apuramento do número de pessoas na região afectada. "As estimativas de mortos e feridos têm uma incerteza elevada", resume a nota.
Imagens obtidas por satélites da área afectada no Haiti - pedidas por várias agências internacionais à International Charter on Space and Major Disasters, uma iniciativa destinada a fornecer gratuitamente imagens das zonas atingidas por catástrofes - podem ajudar a avaliar os danos ocorridos nos edifícios após o sismo. Cerca de três milhões de pessoas terão sido afectadas; mas quantas morreram ou ficaram feridas? As imagens de satélite podem contribuir para que as estimativas sejam mais rigorosas.
Para que servem estas estimativas? Têm dois objectivos, explica Carlos Sousa Oliveira, especialista em Engenharia Sísmica do Instituto Superior Técnico, em Lisboa. "[Antes de um abalo,] têm o objectivo de prever o que poderá acontecer num sítio se houver um sismo de determinada magnitude. É uma ferramenta de planeamento extremamente útil", diz. "Após um sismo, interessa saber o mais correctamente possível o impacto nas casas e na população para socorrer as pessoas."
"Em zonas pobres e em que há conflitos de ordem política", sublinha, a situação torna-se ainda mais complicada. Os países podem nem saber a população exacta que lá está."
Público online 17/1/2010