Como os dois tem tudo a ver com festa e representam duas das principais paixões do brasileiro, essa combinação tinha tudo pra formar um entrosamento perfeito, tipo casal de mestre-sala e porta-bandeira, numa troca de passes que funciona por música e termina em gol de placa.
Bonito, mas na prática a coisa é bem diferente. Se uma das características mais marcantes do carnaval é o espírito verdadeiramente democrático desta que é a mais genuína e abrangente festa popular do nosso país, infelizmente, a rivalidade do futebol descambou pro campo da irracionalidade e só em situações esporádicas se traduz em alegria nas arquibancadas.
Tudo bem que os nossos times não são mais aqueles clubes do bairro. Eles se transformaram em instituições de alcance nacional, alguns até mais. Já com o samba ainda acontece esse tipo de identificação: o sentimento de fazer parte de algo que lhe é próximo, expresso na força da comunidade e do trabalho coletivo.
Talvez tenha sido exatamente por isso que no Rio de Janeiro, ao contrário de São Paulo, onde torcidas organizadas dos grandes clubes da cidade possuem suas respectivas escolas de samba, a tentativa em promover esse tipo de fusão foi sabiamente abortada pelos responsáveis pela condução do carnaval carioca. Os caras não são bobos e sabem muito bem dos riscos que essa mistura poderia provocar no grande e lucrativo negócio que representa o megaevento anual da Sapucaí.
Flamengo e Fluminense retratados em alas da Águia de Ouro (SP) e da Mocidade Independente de Padre Miguel (RJ)
Para comprovar o que estou dizendo, basta reparar o comportamento dos simpatizantes das agremiações carnavalescas. Ainda que essas escolas a cada ano se aperfeiçoem mais na busca pela apresentação tecnicamente irrepreensível e há muito perderam aquele ar de espontaneidade, pode procurar que, entre as 3 mil pessoas que participam do desfile de cada agremiação, dificilmente você testemunhará alguma demonstração explícita de ódio contra os concorrentes, algo mais do que comum entre torcidas de times adversários.
Essa coisa de tudo valer no carnaval é tão interessante que até mesmo os enredos que homenagearam os maiores clubes da cidade conseguiram a proeza de superar o fanatismo futebolístico. Ou seja, independentemente da escola de sua predileção, ninguém encara como ofensa desfilar por outras cores e entoar como se fossem seus os versos do samba enredo de uma escola que está longe de ser a do seu coração, coisa totalmente impensável no mundo do futebol.
É aquela manjada história. Se a violência do futebol afugentou o público dos estádios, curiosamente, o carnaval volta às ruas, fazendo com que a velha máxima do "gosto não se discute" acabe em samba e confraternização.
Confusão na apuração do carnaval de São Paulo, 2012
Suvaco do Cristo, 2014