No dia 9 de novembro de 1989, o governo da Alemanha Oriental liberou a passagem de seus cidadãos que quisessem atravessar para o lado oeste de Berlim, dando início a um grande fluxo que provocou a queda do Muro de Berlim (1961-1989). Menos de um ano depois, no dia 3 de outubro de 1990, acontecia a reunificação das duas Alemanhas - a República Federal da Alemanha (RFA), capitalista, e a República Democrática da Alemanha (RDA), socialista - , que, depois de 41 anos de separação, não só redesenhou o mapa político da Europa, como também simbolizou o fim da Guerra Fria, o conflito entre Ocidente e Oriente, que tanto ameaçava a estabilidade da paz mundial.
O fim da divisão do território alemão, longe de representar o término de todas as desigualdades existentes entre cada um dos lados da Alemanha, até hoje, 23 anos depois da unificação, não foi capaz de apagar as marcas das visíveis e profundas diferenças entre as populações do Leste e do Oeste do país.
Os problemas de integração e aceitação ainda persistem, afetando a relação nem sempre amistosa entre os ossis, cidadãos da antiga Alemanha Oriental, e os wessis, cidadãos com origem na extinta Alemanha Ocidental.
Em outras oportunidades, falei sobre duas produções cinematográficas alemães que abordam diferentes períodos desse período, Adeus, Lenin! e A Vida dos Outros, obrigatórios para se entender o ponto de vista do próprio povo alemão dos traumas que vieram após o fim da Segunda Guerra Mundial e se intensificaram no decorrer da Guerra Fria.
O diretor Christian Petzold e a atriz Nina Hoss
No filme Barbara (2012), dirigido por Christian Petzold, a trama se passa em 1980 e gira em torno da trajetória da personagem interpretada pela atriz Nina Hoss, uma médica pediatra que vive em Berlim Oriental e planeja passar para o lado ocidental da cidade, onde reside seu namorado Jörg (Mark Waschke).
Com a desconfiança da
Stasi (abreviatura de "Staatssicherheit", segurança do Estado), a polícia secreta da Alemanha Oriental, a médica é enviada para trabalhar em um hospital de uma cidadezinha isolada. Em seu desterro, Barbara passa a conviver com uma outra realidade e chega a se envolver com um colega de trabalho, o também médico André (Ronald Zehrfeld). Mesmo apaixonada, a desconfiança se os sentimentos de André são verdadeiros ou se ele é algum agente infiltrado para seguir seus passos e intenções, os dilemas enfrentados pela protagonista servem como pano de fundo para retratar a realidade de um passado recente da Alemanha.
Leia abaixo o artigo publicado em O Globo com entrevista com o diretor Christian Petzold.
Na teoria, a reunificação da Alemanha começou com a queda do Muro de Berlim, em 1989. Mas, na prática, ela só se consolidou no nível geopolítico, pois os alemães ocidentais ainda pouco sabem sobre o legado cultural e comportamental de seus compatriotas orientais nas décadas de reclusão impostas pelo regime comunista da antiga República Democrática Alemã (RDA), criada em 1949.
- O país esteve dividido por muito tempo e, quando o muro veio abaixo, ficou claro para nós que havia um povo completamente diferente do lado oriental da Alemanha, com estilo de vida e cultura próprios, que só agora começa a ser recuperado por livros, reportagens e filmes - conta, por telefone, o diretor alemão Christian Petzold, um dos mais prestigiados cineastas do novíssimo cinema alemão, autor de Barbara.
Premiado com o Urso de Prata de direção no Festival de Berlim de 2012 e indicado pelo governo alemão para representar o país no Oscar de produção estrangeira de 2013, o filme é uma das iniciativas do cinema alemão recente de resgatar a memória da vida na Alemanha Oriental - os outros de carreiras mais proeminentes são Adeus, Lenin! (2003) e A vida dos Outros (2006). Entendemos um pouco do que foi viver sob a ideologia do sistema comunista soviético ao acompanhar o drama da personagem-título (Nina Hoss, atriz-fetiche do diretor), uma médica de Berlim Oriental que, em 1980, é punida com a transferência para um hospital de um vilarejo do interior por ter entrado com um pedido de visto de saída do país.
- Barbara foi alimentado por dois livros que li uns dez anos atrás, quando preparava um projeto sobre como era viver na obscuridade. Um deles é Barbara, de Herman Broch, ambientado nos anos 1930, sobre uma médica comunista que lutava contra o fascismo; o outro é Rummerplatz, de Werner Brauning, que descreve os primeiros anos da RDA, entre 1949 e 1952, e os sonhos daquela geração, que se transformaram em pesadelo - explica Petzold. - O filme fala sobre esse povo, forçado a viver escondido, desconfiando de tudo e de todos à sua volta. E o cinema é o melhor lugar para se falar sobre segredos e opressão.
Autor de filmes como Controle de Identidade (2000) e Yella (2006), ganhador do Urso de Prata de melhor atriz em Berlim (para Nina), Petzold nasceu numa família de refugiados da antiga RDA. Em sua juventude, o diretor de 52 anos passou vários verões nos gelados balneários do Norte do país, onde viviam tios e primos, enquanto os amigos de colégio iam para as praias da Espanha. Depois da queda do muro, seus pais nunca voltaram a visitar as terras onde nasceram e viveram.
- Eles jamais conversaram sobre a juventude deles, o que faziam, como viviam, porque eram considerados fugitivos. Acho que, quando eles voltavam à Alemanha Oriental, estavam, na verdade, visitando o passado comunista, que não fazia mais sentido com o fim do muro - teoriza o diretor. - Os alemães orientais viviam em bolhas e, só agora, tanto tempo depois, os alemães ocidentais lançam olhares curiosos e mais sensibilidade sobre a vida deles.