Aziz Ab'Saber defende ideia medieval
Geografia

Aziz Ab'Saber defende ideia medieval


Não há dúvida de que Ab'Saber é um dos melhores cientistas brasileiros, com merecido reconhecimento nacional e internacional. Mas a sua excelência como estudioso da natureza não faz dele uma autoridade em assuntos políticos e socioeconômicos. Assim, do mesmo modo que acontece com Noam Chomsky e outros cientistas importantes em suas respectivas especialidades, Ab'Saber acaba sendo instado por jornalistas a falar de assuntos sobre os quais tem apenas convicções ideológicas, e nada mais do que isso.

Em uma de suas entrevistas (que pode ser lida na íntegra aqui), ele qualifica a privatização da Vale do Rio Doce como um crime (sic!) e justifica tal afirmação com o seguinte exemplo:
Quando estive na França, algumas pessoas correram para mim e disseram: "professor, diga aos seus colegas que é muito triste saber que o minério de Carajás, comprado a preços aviltantes, serviram para fazer o túnel do Canal da Mancha". Fiquei abismado, não sabia disso. Hoje ainda não temos uma boa ponte para atravessar da margem direita para a região de Manaus. Temos o aço, temos tudo, mas não temos a ponte, ainda. É um problema sério. 
Engraçado, ele parece supor que, se a Vale continuasse estatal, nosso minério teria sido exportado a preços bem mais altos e o governo teria recursos para fazer a tal ponte. Por que isso não aconteceu durante as décadas em que a Vale foi estatal mesmo? E ele fala como se o preço internacional do minério de ferro fosse definido pela empresa exportadora a seu bel prazer, e não pela relação entre oferta e demanda, como qualquer outra commodity. Ora, se fosse assim, seria uma grande burrice uma empresa privada como a Vale vender a preços aviltantes o que podia ter vendido por muito mais.

Mas o pior mesmo é constatar que, à semelhança de Eduardo Galeano e de todos os nacional-populistas da América Latina, Ab'Saber pensa o comércio internacional com base numa doutrina defendida pela igreja durante a idade média, a saber, a teoria do preço justo (*). Trata-se da ideia, moralista e bastante simples, de que os preços dos produtos não devem ser estabelecidos por livre negociação no mercado, mas sim de acordo com a "justiça".

Mas qual seria o critério a ser usado para calcular o preço justo de cada mercadoria e qual mecanismo institucional deveria ser usado para estabelecer esse preço? Isso, os populistas nunca dizem. Apenas supõem que as matérias-primas sempre valem mais do que o preço pelo qual elas são vendidas, e ponto final.

Apesar disso, é certo que Aziz Ab'Saber, assim como o sociólogo Chico de Oliveira, preza a coerência e a honestidade intelectual. Tanto que, assim como este último, desembarcou do projeto de poder do PT e aderiu ao PSOL logo que percebeu o estelionato eleitoral praticado por Lula. Dali para frente, o PT passou a ser uma segunda opção de voto para ele, um partido no qual votar quando a outra opção for o PSDB ou o DEM. Abaixo, pequenos trechos da entrevista em que ele manifesta sua decepção com o PT no poder.
O setor econômico, certamente, tem resultados consistentes. Isso porque o Palocci obedece rigidamente às indicações do Fundo Monetário Internacional. Em relação à educação, à preservação ambiental e a outros pontos, os erros são bárbaros. [...] Na área social, nota zero. No planejamento, para atender a áreas críticas do País, também nota zero. E há as falácias, como ?a transposição das águas do São Francisco vai resolver o problema do semi-árido?. Nota zero, zero, zero.
Devemos pensar em um desenvolvimento que não agrida a continuidade da floresta. Lula assinou comigo essa idéia. Agora diz que a Amazônia não deve ficar intocada.
No começo do atual governo, quando se falou em Fome Zero, pensou-se em alguns lugares do Nordeste para servir de piloto. Um deles foi Guaíba, no Piauí. Tudo de Fome Zero foi então centrado em Guaíba. Acho ótimo do ponto de vista humano, assistencial e social, mas e os outros 750 mil quilômetros quadrados de sertões diferenciados? Se vou fazer um assistencialismo sub-regional, tenho de perceber todos os setores e não focar um só. Outro problema é percorrer as áreas e pensar somente no voto. Isso dá certo para políticos, mas não para o País. Lula fez propaganda do Fome Zero antes da vitória. [...] O programa está fracassando. O próprio presidente disse que é preciso reciclá-lo.
Se todos os geógrafos tivessem a coerência de Ab'Saber, já seria alguma coisa, posto que as ideias simplistas são sempre as mesmas.

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(*) MENDOZA, P. A.; MONTANER, C. A.; LLOSA, A. V. A volta do idiota. Rio de Janeiro: Lexikon, 2007.




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