Enquanto muitos continuavam festejando, madrugada adentro, a virada do ano, a população de muitos municípios do estado do Rio de Janeiro sofria com as chuvas contínuas e as enchentes decorrentes destas. Inclusive, o bairro e adajcências da minha antiga escola em Duque de Caxias (E.E. Assis Chateaubriand).
No final do mês de novembro, eu passei um sufoco na Av. Presidente Kennedy, na altura da passarela do Posto Bravo, pois quando fui atravessar a referida avenida, a água já estava bem acima do meu tornozelo.
Na imagem abaixo fica bastante evidenciado o processo de erosão, com o transporte do material incosolidado (no caso argila e/ou silte) pelas águas das chuvas (agente erosivo). A deposição deste material, que veio de uma área mais alta, ocorre nas áreas mais baixas.
Em dezembro último, eu fotografei um ponto de deslizamento próximo à Igreja de Nossa Senhora do Pilar, na mesma avenida, no bairro Pilar (vide fotos abaixo).
Pelo que eu soube, a área do referido deslizamento e outros pontos próximos, em situação instável similar, sofreram outros movimentos de terras na virada do ano.
Av. Presidente Kennedy, bairro Pilar - Duque de Caxias (RJ)
Imagem do meu acervo particular
Av. Presidente Kennedy, bairro Pilar - Duque de Caxias (RJ)
Imagem do meu acervo particular
Muitos turistas e familiares estavam reunidos no local, tanto na pousada quanto nas casas, por conta dos festejos do Réveillon. Nos dois casos, os deslizamentos ocorreram de madrugada, quando a maioria das pessoas estava dormindo.
Infelizmente, estas últimas chuvas trouxeram à tona uma tragédia já anunciada - há anos - acerca da relação do homem com a natureza.
Não foi um ou outro fator responsável, mas um somatório de fatores, que diante da falta de um controle maior por parte do governo, seja da instância municipal ou estadual, resultou nestas duas grandes tragédias, com um número de mortos ainda incerto, porém já elevado e de feridos também.
Não precisa ser nenhum especialista em geotecnia (ramo da Geologia) ou em Geomorfologia para perceber que encosta íngrime (declivosa), solo instável (em geral argilo-siltoso), índices pluviométricos elevados (clima tropical úmido) mais a expansão imobiliária irregular e desordenada na base da encosta representam fatores de altos riscos, capazes de expressar, desde a primeira ocupação humana, em uma tragédia programada a médio prazo.
No caso da Ilha Grande, mesmo tendo uma cobertura vegetal presente, capaz de controlar o processo erosivo do solo, a topografia do relevo (encosta íngreme) e o solo instável foram suficientes para desencadear um quadro de vulnerabilidade e de baixa sustentabilidade face às chuvas contínuas, que saturaram o solo e acabaram por provocar o deslizamento de terra, deixando à mostra a rocha ?nua?.
É bastante notório que o perigo existe não apenas para quem mora no alto do morro, mas também para quem constroi e reside na base deste, pois tudo que está em cima desce. O fator de risco é para todos. O certo é não ocupar a encosta e nem muito próxima de sua base, assim como outras áreas susceptíveis a enchentes, como as margens de rios.
Agregado a esta tragédia está a falta de inspeção por parte do governo, que não fiscaliza estas áreas e as ocupações irregulares. Ocupações irregulares justamente por estarem em áreas de risco eminente e, não, simplesmente por questões de documentos.
O nosso governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, defendeu, em entrevista coletiva, uma política séria de uso do solo, como se as tragédias no morro da Carioca e na Ilha Grande (município de Angra de Reis) fossem fatos novos e isolados em nosso estado (sem mencionar a nível de território nacional).
Ele ressaltou, no caso da Ilha Grande, que a tragédia foi de causas naturais e não em consequência de construções irregulares. Contudo, ele esqueceu de observar que as construções estavam em áreas de riscos, na base da encosta. O perigo é o mesmo.
A política do governo, seja de planejamento urbano ou no caso da Defesa Civil, deveria promover ações preventivas quanto ao uso e apropriação do solo e, não, apenas, no sentido de disponibilizar socorro e resgate após um desastre combinado entre os fatores da natureza e de ordem antrópica, o qual poderia ser evitado previamente.
Fechar os olhos para a expansão imobiliária, desordenada, seja nas áreas nobres ou não nobres, como em áreas às margens dos rios ou nos morros (comunidades mais carentes) é algo que vemos ao longo dos anos, sem que haja uma fiscalização mais séria capaz de assegurar um mínimo de segurança em termos de integridade da área construída aos efeitos das intempéries, bem como de conservação da natureza.
É triste imaginar a dor que cada um, envolvido direto e/ou indiretamente em ambas as tragédias, traz consigo neste início de ano. A dor é imensa e só o tempo a tornará mais leve.
Apagar, jamais! Mas, abrandá-la, com a fé em Deus e com os Seus desígnios é possível, com o tempo.