Geografia
Agronegócio e Shopping Centers na visão anacrônica da esquerda
Dois momentos interligados dentro dos processos de hegemonização das visões da esquerda intelectual e política no Brasil são: a) a construção de teorias que qualificam uma mudança conjuntural ou uma fase dentro de um processo mais longo como se fosse um elemento permanente dentro da "lógica do capitalismo", especialmente em sua forma "periférica"; b) a repetição dessas explicações apressadas década após década, sedimentando-as no senso comum mesmo quando as transformações da economia e da sociedade já provaram seu completo desacerto. Dois segmentos de atividade particularmente vitimados por esse congelamento de visões anacrônicas são o agronegócio e os shopping centers.
Agronegócio, a vítima de sempre
Desde os anos 1980, acadêmicos e professores repetem que a maior parte das terras agricultáveis brasileiras são improdutivas, que o agronegócio só se interessa em produzir commodities para exportação e matérias-primas industriais e que a produção de "alimento para o povo" fica abaixo do necessário porque não há modernização e aumento da produtividade nas culturas de mercado interno.
Todavia, já na segunda metade dos anos 1980, quando houve a atualização dos cadastros de propriedades rurais a serem utilizados pela Política Nacional de Reforma Agrária (os quais estavam até então defasados em cerca de trinta anos), é sabido ser completamente falsa a visão de que o Brasil possui imensos latifúndios improdutivos (Graziano, 2004).
E os indicadores de produção e de produtividade agrícola mostram que, se é verdade que nos anos 1970, quando se deu a ascensão dos complexos agroindustriais, culturas como arroz, feijão e mandioca tiveram desempenho muito fraco, sobretudo na comparação com as culturas de soja, cana e laranja, as décadas seguintes mostraram uma indiscutível inversão de posições, com as culturas alimentares apresentando expansão da produtividade bem mais rápida do que as últimas três mencionadas. Além disso, a crescente industrialização dos alimentos fez com que, já ao longo dos anos 1980, a distinção entre culturas de mercado interno e externo fosse completamente superada. Tanto que a maior parte da soja produzida no Brasil não é exportada, mas consumida no mercado interno mesmo (Diniz Filho, 2013).
Nesse sentido, a dicotomia entre culturas de mercado interno e externo fazia um pouco de sentido nos anos 1970, mas não havia nada de intrínseco à dinâmica da acumulação capitalista nisso: a forte expansão dos complexos agroindustriais foi fruto de uma decisão do Estado naquela época, o qual, de maneira intervencionista, subsidiou fortemente a produção de commodities exportáveis. Tratou-se, portanto, de um processo episódico e fruto de decisões políticas, mas interpretado erroneamente como parte da "lógica do capitalismo", interpretação essa que é repetida ainda hoje nas escolas e em artigos científicos!
Shopping centers, a vítima do momento
Os textos que formam a coletânea multidisciplinar do livro Shopping Centers: espaço, cultura e modernidade nas cidades brasileiras (Frúgoli Júnior; Pintaudi, 1992), apresentam uma característica muito interessante: os artigos que tratam da implantação de shoppings em capitais fora de São Paulo acusam o caráter "elitista" desses estabelecimentos, implantados sempre nos bairros de renda mais alta da cidade em questão; já quando se aborda a capital paulista, essa caracterização muda de tom. É que, naquele início dos anos 1990, São Paulo possuía mais shoppings do que qualquer outra cidade brasileira, de modo que o perfil desses estabelecimentos já havia adquirido ali um caráter razoavelmente diversificado quanto à clientela atendida - diversificação que só se alargou nas décadas seguintes.
Ora, é claro que, quando uma metrópole recebe seu primeiro shopping center, ele irá focalizar a população de renda mais alta, pois o varejo voltado para esse tipo de público tende a ser mais rentável, o que valoriza e rentabiliza também os aluguéis cobrados pelos espaços de venda no shopping - lembremos que um shopping é um empreendimento imobiliário, pois as empresas varejistas, na grande maioria das vezes, apenas alugam o espaço para a loja. Todavia, os trabalhos de muitos geógrafos, sociólogos e antropólogos acerca dos shoppings falavam o tempo todo como se esse tipo de estabelecimento existisse para ser um "templo de consumo" e um espaço de "auto-segregação" exclusivo de classes médias e altas consumistas e elitistas.
Nada poderia ser mais falso. Shoppings populares, assim como o varejo popular, podem ser menos rentáveis que os estabelecimentos voltados para a população de alta renda, mas há quantias muito maiores de dinheiro a ganhar vendendo bens e serviços para as massas do que ficar restrito apenas à elite. E pobre também gosta de espaços bonitos, com ar condicionado e seguros, ora essa! Quem só enxerga e elogia a sociabilidade que se entabula nas ruas são intelectuais que leem marxistas como Marshall Bergman e Henry Lefbvre, não os moradores da periferia, que se socializam nos shoppings tanto quanto nas ruas dos bairros.
Novamente, trata-se aí de uma visão que tinha certa correspondência com os fatos nas primeiras fases da instalação dos shopping centers no Brasil, mas que, embora tenha se revelado completamente falsa com o passar do tempo, continua a ser martelada por intelectuais cheios de convicções apriorísticas contra o capitalismo e militantes de partidos de esquerda. As bobagens que esses dois grupos vêm dizendo e escrevendo sobre os "rolezinhos" são a maior prova disso: confundem o comportamento irresponsável de adolescentes consumistas da periferia de São Paulo com manifestação "inconsciente" contra a sociedade de consumo...
Conclusão
Uma mentira é sempre mais verossímil quando está parcialmente baseada em fatos reais. Nesse sentido, é preciso denunciar essa tendência nefasta da esquerda a congelar no tempo diagnósticos e explicações que pouco ou nada têm de científicas, mesmo quando baseadas em alguns fatos que, de resto, só eram verdadeiros há quarenta anos atrás!
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DINIZ FILHO, L. L. Por uma crítica da geografia crítica. Ponta Grossa: Editora da UEPG, 2013.
GRAZIANO, X. O carma da terra no Brasil. São Paulo: A Girafa Editora, 2004.
FRÚGOLI JR., H. PINTAUDI, S. M. (org.). Shopping Centers: espaço, cultura e modernidade nas cidades brasileiras. 1. ed. São Paulo: Ed. da UNESP, 1992.
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