Geografia
A pisada no tomate foi dupla!
Os dois mandatos presidenciais de FHC foram marcados por uma tensão entre o ministro da Fazenda, Pedro Malan, conhecido por suas ideias liberais, e os economistas de tendências mais intervencionistas que atuavam junto ao governo. Eram esses os casos dos irmãos Luís Carlos e José Roberto Mendonça de Barros, de Lídia Goldenstein e, mais do que todos, de José Serra.
Serra é um economista de esquerda influenciado pela Cepal (organismo no qual já trabalhou) e, como tal, defende duas teses básicas: a) a competitividade internacional das empresas não depende apenas dos estímulos da livre concorrência, mas também de estímulos criados e controlados pelo Estado; b) o desenvolvimento depende da constituição de um parque industrial expressivo, diversificado e setorialmente integrado.
Mas, à diferença de certos desenvolvimentistas saudosos dos anos 1970, como João Sayad, Serra defende a necessidade de executar políticas industriais ativas sem comprometer as contas públicas. Isso ficou claro, por exemplo, quando ele propôs a instituição da Lei de Diretrizes Orçamentárias - LDO. Nesse sentido, não surpreende que tenha sido no biênio 1995-1996, quando Serra esteve no comando do Ministério do Planejamento e Orçamento - MPO, que o governo FHC implementou mais efetivamente políticas industriais ativas. Depois que ele deixou esse cargo, Luís Carlos Mendonça de Barros foi aquele que, no governo FHC, trombou mais vezes com Pedro Malan ao insistir para que fossem implementadas políticas de estímulo à competitividade industrial.
Lula, o caudilho brasileiro, passou seus oito anos na presidência da República dando continuidade à política econômica arquitetada por Pedro Malan. No início do seu primeiro mandato, fez uma concessão aos desenvolvimentistas ao nomear Celso Lafer para a presidência do BNDES, mas o estilo intempestivo com que este encetou ações de cunho nacionalista e estatista fez Lula se arrepender rapinho, defenestrando-o do cargo. Lula veio e foi embora sem comprometer a estabilidade das taxas de inflação e sem executar políticas industriais cuja dimensão pudesse configurar uma "ruptura do modelo econômico". Coube a Dilma pisar no tomate, e duplamente.
A primeira pisadaDesde meados de 2011, a equipe econômica de Dilma decidiu repetir a estratégia que havia sido usada durante a crise financeira de 2008/2009, qual seja, expandir o consumo e a utilização de capacidade ociosa no setor produtivo. Isso se fez por meio de desonerações fiscais, aumento do gasto público, redução dos juros e ampliação do crédito. O economista
Alexandre Schwartsman já demonstrou onde estava o equívoco:
Ao contrário de 2009, não se observa no país uma situação de folga do ponto de vista de recursos produtivos. Nem o desemprego é alto (muito pelo contrário), nem os níveis de ocupação de capacidade instalada na indústria são anormalmente baixos.
Assim, enquanto uma política de incentivo ao consumo àquela época tinha grande chance de reativar (como reativou) a economia, a mesma política, sob condições distintas, falhou visivelmente.
No ano passado, com efeito, a taxa de inflação estourou o teto fixado como meta e a redução do superávit primário foi de tal ordem que acabou tendo de ser disfarçada por uma "contabilidade criativa" (sic). Mas essa malandragem não foi capaz de tapear os especialistas do mercado, as agências de avaliação de risco e o jornalismo econômico. E tudo isso temperado com um crescimento pífio do PIB - em termos de crescimento, os dois anos do governo Dilma estão entre os piores dos últimos 60 anos!
A segunda pisada
Se a administração da política econômica ficou mais próxima das propostas heterodoxas, embora mantendo-se as mesmas diretrizes herdadas de FHC, a política industrial implementada em 2012 e neste começo de ano exibe um perfil decididamente heterodoxo:
Ao longo de 2012, o governo da presidente Dilma Rousseff empenhou-se em adotar algumas medidas estruturais que seus antecessores, sobretudo o ex-presidente Lula, deixaram passar. Desoneração da folha de pagamento das empresas, mudanças no ICMS dos estados, barateamento das contas de luz, queda forçada dos juros, diversos pacotes de estímulo à indústria e privatizações marcaram o segundo ano desta gestão petista. Por trás de todo este aparato, há um anseio, com nuances autoritárias, de transformar o Brasil numa nação com indústria competitiva ? quer seja essa sua vocação, quer não. Neste contexto, o setor industrial teria motivos para comemorar. Mas não é isso que se verifica. Segundo analistas ouvidos pelo site de VEJA, as mudanças ? feitas de forma truculenta e atabalhoada, sem um período de adaptação ? têm tirado do país um bem adquirido com muito esforço desde o início do Plano Real, em 1994: o da previsibilidade. Diante de um governo que metralha medidas, que são, em muitos casos, protecionistas, o risco de se investir aqui aumentou (cf.: Com reformas de Dilma, Brasil não é mais porto seguro).
É por isso que eu digo que ainda é cedo para dizer que o PT rompeu com a herança de FHC. Tanto é assim que a taxa de juros já foi elevada para conter a inflação - mas os efeitos disso só se farão sentir em 2014. No que diz respeito à política industrial, o que Dilma está fazendo é só uma versão mal-feita das políticas industriais defendidas por José Serra. Goste-se ou não do desenvolvimentismo, a falta de competência faz diferença.
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