Polícia Federal apreende documentos em operação contra desvio de verbas públicas
Nos últimos anos, a opinião pública brasileira foi tomada de assalto por revelações bombásticas sobre relações íntimas e perigosas mantidas entre banqueiros, empresários, políticos, juízes, advogados, jornalistas ? enfim, a fina flor da sociedade. Banestado, ?mensalão?, Marka/FonteSindam, bingos, Previdência, Telebrás, Vale do Rio Doce, Daniel Dantas... Os nomes se multiplicam e reverberam sem parar aquilo que todo mundo mais ou menos sabe: este é o país que reserva a impunidade aos ?gente fina? (ainda que, ultimamente, a Polícia Federal tenha tentado mostrar que alguma coisa está mudando. Será?).
As evidências indicam que por trás de cada escândalo há uma organização estruturada, ancorada em gente situada em órgãos do Estado e amparada por pessoas que conhecem e manipulam a lei ? sem dispensar, é claro, o recurso ao suborno. Ainda assim, tais esquemas não são comumente qualificados como articulações do crime organizado. Em geral, a mídia confunde ?crime organizado? com organizações voltadas para o crime, incluindo até pequenos bandos que atuam em favelas. É uma confusão tão primária ? e conveniente para os chefões das verdadeiras máfias ? que até causa suspeitas.
A ação do crime organizado, tal como é entendida pelas instituições internacionais contemporâneas, incluindo os órgãos da Organização das Nações Unidas, pressupõe uma vasta rede de interesses econômicos, políticos e financeiros, que funciona com base na lavagem de dinheiro, da corrupção, do tráfico de influência e do assassinato. A dificuldade começa, no Brasil, pelo fato de a lei que trata do assunto (10.217/01) ser fraca, confusa e nada efi caz. Se é verdade que o seu texto distingue o crime organizado do promovido por associação criminosa ou bando, não vai muito além disso. A lei brasileira atual torna difícil reconhecer até mesmo o que é o crime organizado.
A Academia Nacional de Polícia Federal do Brasil enumera dez características do crime organizado: 1) planejamento empresarial; 2) antijuridicidade; 3) diversificação de área de atuação; 4) estabilidade dos seus integrantes; 5) cadeia de comando; 6) pluralidade de agentes; 7) compartimentação; 8) códigos de honra; 9) controle territorial; 10) fi ns lucrativos. ?Curiosamente, a relação entre o crime organizado e o Estado é sempre apontada como uma de suas características pelas agências de combate ao crime do mundo, mas não no caso da PF brasileira?, observa Adriano Oliveira, pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco.
É claro que a indefinição quanto ao combate ao crime organizado no Brasil remete a uma questão que não se esgota na esfera jurídica: refl ete a própria natureza do Estado brasileiro e do processo histórico que o formou, baseado na manutenção de leis que tinham por objetivo preservar o poder de uma diminuta elite sobre a vasta maioria pobre. Esta é a raiz da impunidade dos ricos, cujos interesses privados sempre se impuseram ao próprio Estado.
As máfias tupiniquins só serão devidamente punidas quando o poder público finalmente se impuser à ?casa-grande?.
José Arbex Jr. é jornalista, mestre em história, professor da PUC-SP e co-autor do livro O século do crime (Boitempo editorial).
Revista História Viva