Nas primeiras viagens de Brasília a Manaus, feitas há quase 40 anos, sobrevoava-se a mata contínua, sem nenhum vestígio de gente, durante horas. A solidão diminuiu: hoje, esses enormes espaços encolheram, substituídos por plantações, estradas e áreas devastadas
A Amazônia de 1970 mostrava um cenário de muitos enganos e lições para o futuro. Caminhos abertos na ponta do facão e troncos de árvores sendo derrubados para deixar passar a Transamazônica, que deveria integrar a distante Região Norte ao restante do país. Naquela época, o fotógrafo Pedro Martinelli começou a desvendar a floresta para os brasileiros com suas imagens inusitadas de uma terra ainda hoje desconhecida. E não só a floresta, mas a sua ocupação durante o surto desenvolvimentista promovido pelo governo militar. Nesses quase 40 anos, ele continuou a retratar sua experiência, traduzida na máxima de que ?a floresta é o caboclo?. Como Martinelli gosta de explicar, ?as pessoas falam de sustentabilidade, mas na Amazônia, se você acabar com o homem, não se preserva mais nada. A floresta não é árvore, só ela por ela.?
O livro Gente X Mato, concebido e editado pelo fotógrafo, o jornalista/roteirista Marcelo Macca e o designer Ciro Girard, demonstra essa visão muito particular da Amazônia. São imagens em sua maioria em preto-e-branco ? algumas reproduzidas nesta reportagem ? registradas entre 1970 e 2008, com cenas curiosas, belas e surpreendentes. Mostram, por exemplo, a rotina alimentar, as ferramentas, o contraste entre o avanço da agricultura e a vida nas comunidades, a sensação de desamparo com as queimadas, a paisagem monocromática dos rios, as profissões modernas convivendo com aquelas tradicionais, o comércio, as compras e as modas, além das diferentes culturas que convivem na floresta.
Todas essas cenas curiosas vêm inevitavelmente acompanhadas de um olhar crítico. Por todos os motivos. Martinelli conta que sua experiência amazônica, quando ainda trabalhava como fotógrafo de um grande jornal, teve início quando participou de uma expedição à região para contatar os índios panarás, cuja população foi reduzida de 400 para 78 indivíduos por causa do contato desastroso com os brancos. Os múltiplos aspectos da vida naquela parte do Brasil demonstram como realidades tão diferentes se adaptam ? muitas vezes mal ? deixando pelo caminho sonhos e projetos para o futuro. ?É, Pedrão, é bonito e triste...?, diz o mateiro Odair, que o fotógrafo mostra deitado em sua rede, com o rádio inseparável, ao ouvir as suas exclamações de admiração com a floresta que, então, ele percorria pela primeira vez.
O gado que serve de alimento é valioso nas comunidades ribeirinhas. Nos campos inundados de Marajó, investe-se no búfalo Carabao, adaptados a regiões pantanosas
Os índios aprendem cedo o que significa devastação. É o que mostra o menino portando um relógio Swatch no tronco que sobrou da floresta desmatada para a construção de uma nova aldeia
A pintura corporal lembra emblemas de clubes de futebol
O trabalho na região assume formas igualmente inusitadas. Na época das águas baixas, homens retiram o barro do fundo do rio Negro para fazer tijolos, chamados de ?pé-duro?. O barro é retirado em forma de bolas que podem pesar até 40 quilos
Revista Horizonte Geográfico