"O Haiti está a viver uma oportunidade. Leu bem: está a viver uma oportunidade. Por chocante que possa parecer, no rescaldo da morte e da dor, o país mais pobre do hemisfério ocidental pode ter, sobre os escombros da devastação da capital, a ocasião de se tornar um Estado sustentável, deixando para trás uma história de abusos de poder e corrupção que lhe tolheram o desenvolvimento. Mas, para que a uma tragédia já descrita como de proporções bíblicas se suceda um novo começo, e se quebre o ciclo de pobreza, é preciso uma prolongada convergência de vontades externas e, talvez mais importante, de reformas internas". Público online 24.01.2010
Publico excertos deste texto a propósito do futuro do Haiti após a catástrofe que se abateu sobre a sua população no início deste mês, por me parecer que pode constituir um bom ponto de partida para utilizar nas aulas de Geografia a propósito do tema "Contrastes de Desenvolvimento".
"Ajudar, e, depois, reconstruir, tornaram-se nos dias seguintes ao sismo palavras frequentes nas declarações políticas. "Não serão abandonados. Não serão esquecidos", disse o Presidente norte-americano, Barack Obama. "Devemos procurar que esta seja uma oportunidade para conseguir que o Haiti, de uma vez por todas, escape à maldição que parece tê-lo atingido", afirmou o Presidente francês, Nicolas Sarkozy."
"As palavras e as promessas não são muito diferentes das de outras ocasiões. Será que para o Haiti esta é mesmo a oportunidade para um novo começo? "Se alguma vez houve uma oportunidade para reconstruir o Haiti, é agora", respondeu ao PÚBLICO Clifford Griffin, professor da Universidade Estadual da Carolina do Norte, especializado em assuntos de política e desenvolvimento das Caraíbas. "Acredito sem dúvida que o desastre cria uma oportunidade", concorda Mark P. Jones, professor de Ciência Política".
"Esta pode ser a oportunidade definitiva, no sentido em que se não fizermos alguma coisa hoje, não se vai fazer nunca", considera este especialista em Haiti. "As infra-estruturas que tinha foram destruídas não apenas pelo terramoto, mas pelos furacões e pela negligência de anos e anos de instabilidade política."
"Para que o desastre se torne em oportunidade mais bem sucedida do que os esforços anteriores para desenvolver o país é preciso pensar para além das necessidades imediatas. Vozes como a do director-geral do FMI, Dominique Strauss-Kahn, têm defendido "uma espécie de Plano Marshall", programa semelhante ao auxílio norte-americano à reconstrução da Europa Ocidental após a II Guerra Mundial, que incluísse a anulação da dívida externa, que se aproxima de 1,5 mil milhões de euros e atrofia o desenvolvimento".
"Por onde começar a reconstrução, ou, melhor, a construção de um novo Haiti? Com o colapso de boa parte das estruturas, não falta que fazer. O estado em que ficaram escolas, hospitais, redes de distribuição de água, electricidade e saneamento, estradas, porto e aeroporto pode servir para reanimar e expandir o sector da construção, que deverá incorporar técnicas anti-sísmicas. Uma equipa de especialistas do Banco Mundial, Nações Unidas e Banco Interamericano para o Desenvolvimento que está a discutir o que fazer considera necessário privilegiar as escolas. "É importante fazer regressar as crianças à escola", disse Francis Ghesquiere, especialista em desastres naturais que lidera o grupo".
Mas se ter serviços públicos operacionais e reconstruir áreas urbanas é absolutamente necessário e pode criar emprego, a sustentabilidade de um país em que mais de metade da população vive em zonas rurais e o desemprego se aproximava dos 70 por cento antes do sismo exige muito mais. A começar pelo combate à desflorestação, como forma de atenuar o impacto de desastres naturais e, a prazo, criar riqueza.
O incentivo à agricultura, proporcinando rendimentos dignos aos produtores de café, manga, cana-de-açúcar, arroz, milho (cerca de 85 por cento dos dez milhões de habitantes), pode assegurar dois objectivos: fixar população que de outro modo será atraída para Port au Prince e diminuir a dependência alimentar do exterior.
Mudanças nas políticas comerciais, designadamente por parte dos EUA, podem também ajudar o novo Haiti: tarifas mais baixas facilitariam as exportações de açúcar, regras de importação menos rígidas levariam ao escoamento da produção de manga.
"No último ano, o Haiti dera sinais encorajadores em áreas diferentes como o turismo, pequenas indústrias, biodiesel e agricultura, escreveram Paul Collier e Jean-Louis Warnholz, para quem "investimentos estratégicos nesses sectores vão assegurar que os haitianos se ajudem melhor a si próprios quando o auxílio acabar".
"Washington só tem a ganhar se a reconstrução, que pode prolongar-se por décadas, der sinais de estar no bom caminho. "É uma oportunidade para demonstrar a liderança da América" e do seu Presidente, entende Clifford Griffin, que alerta, igualmente, para os efeitos nefastos de um fracasso. "Se as coisas não correrem bem, existe o risco de milhares de haitianos procurarem chegar aos Estados Unidos", o que poderia criar problemas ao país e afectar politicamente tanto o Presidente como os democratas".