Trabalho infantil na agricultura familiar não dá manchete
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Trabalho infantil na agricultura familiar não dá manchete


O que aconteceria se uma pesquisa oficial mostrasse que centenas de milhares de crianças trabalham em grandes empresas agropecuárias? O mundo viria abaixo! Os grandes jornais fariam disso matérias de primeira página, os "movimentos sociais" repercutiriam a notícia incansavelmente, propriedades seriam invadidas com o pretexto de que têm ou poderiam ter menores trabalhando ali e, por fim, seria  proposto um projeto de emenda constitucional - PEC, determinando a desapropriação das terras onde fossem encontradas crianças nessa situação. 


Só que a realidade é bem o oposto disso. Segundo o último Censo Agropecuário (IBGE, 2009), havia nada menos do que 909 mil menores de quatorze anos trabalhando em estabelecimentos familiares no ano de 2006, ao passo que nenhuma criança trabalhava em unidades não familiares. Cadê as manchetes? Cadê a Comissão Pastoral da Terra? E os "movimentos sociais"? Esse dado é de seis anos atrás, mas, até agora, nenhuma PEC foi proposta com o objetivo de tornar essas propriedades passíveis de desapropriação sob a justificativa de que não estão cumprindo sua "função social". 

E como fica a intelligentsia que se dedica a estudar o rural brasileiro? Esse dado nunca sugeriu aos acadêmicos a necessidade de rever o pressuposto de que a agricultura dita "camponesa" possui uma "lógica" benéfica para a sociedade, ao contrário do agronegócio? Como a imprensa e a academia silenciaram sobre o assunto, os pesquisadores jamais se deram ao trabalho de discutir isso. Se o fizessem, não poderiam vir com a velha desculpa esfarrapada de que "a mesma coisa acontece nas grandes propriedades e ninguém fala nada", pois o IBGE mostrou que esse é um problema exclusivo da agricultura familiar.

Talvez nossos doutores afirmassem que a participação das crianças no trabalho agrícola é uma tradição secular, que faz parte do modo de vida rural, e que uma criança trabalhar para e com sua própria família, numa terra que também lhe pertence, não implica nenhuma forma de exploração do trabalho. Mas o problema é que, dentre as inúmeras razões apontadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego - MTE, para justificar a proibição do trabalho infantil, encontram-se várias que são de ordem médica e, por óbvio, a fisiologia das crianças não muda conforme o tipo de relação de trabalho em que estão inseridas. Vejamos alguns exemplos:
  • Crianças ainda não têm seus ossos e músculos completamente desenvolvidos.
  • A ventilação pulmonar é reduzida.
  • Elas têm maior frequência cardíaca para o mesmo esforço.
  • Órgãos internos, como fígado e rins, estão ainda em desenvolvimento na infância, tornando as crianças mais vulneráveis à contaminação por absorção de substâncias tóxicas.
  • O corpo de uma criança produz mais calor do que o de um adulto.
Não vou até o fim da lista. Quem quiser saber mais detalhes só precisa ler a cartilha Saiba tudo sobre o trabalho infantil, disponível no site do MTE. O principal aqui é destacar três coisas. Em primeiro lugar, vemos que, se essas justificativas da cartilha estão corretas, então é imperioso reconhecer que o trabalho infantil constitui um sério problema social presente na agricultura familiar brasileira e ausente no segmento não familiar. Em segundo lugar, cabe dizer que, se a  imprensa, os políticos e os acadêmicos não dão a menor bola para isso, é porque estão mais preocupados em lutar ideologicamente contra o agronegócio do que com o bem-estar das pessoas, bem ao contrário do que vivem proclamando. Por fim, esse exemplo corrobora aquilo que escrevi antes sobre o conceito de "função social da propriedade": só serve como desculpa para desapropriar terras produtivas, pois a coibição de práticas ambientais ou trabalhistas condenáveis é feita mais eficientemente pela legislação já em vigor sobre essas matérias.

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IBGE. Censo agropecuário: agricultura familiar, primeiros resultados 2006. Rio de Janeiro: IBGE, 2009.




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