Geografia
Tese central de Santos, Harvey e Soja é só "malabarismo retórico"
Ao proferir uma fala sobre a geografia crítica, Paulo César da Costa Gomes fez uma afirmação de extrema importância. Ele disse que a definição de espaço como produto da sociedade encerra um problema epistemológico insolúvel, pois, se o objeto de pesquisa da geografia é apenas um reflexo, então qual seria a importância de estudá-lo? Em termos tanto científicos quanto sociais, o importante não seria estudar a sociedade que produz o espaço, ao invés de gastar energia tentando entender o reflexo que ela produz?
Para contornar essa dificuldade, continuou ele, os geocríticos se veem forçados a realizar um enorme "malabarismo retórico" para justificar a ideia de que o espaço não é só reflexo, mas também uma instância "ativa". Ficam dando voltas e voltas para provar que o espaço é produto social e também produtor de relações sociais, mas que afirmar isso não significa cair num determinismo ou fetichismo espacial, pois o espaço não é algo externo à sociedade, mas uma instância da própria sociedade.
Bem, conforme eu já comentei em outro post, Gomes não dá nomes aos bois. Mas nem precisa, pois qualquer um que já tenha lido David Harvey, Edward Soja ou Milton Santos percebe claramente o esforço desses autores para justificar a tese de que o espaço é um reflexo da sociedade que também age como determinante das relações sociais, mas que afirmar isso não implica qualquer ideia de determinismo ou fetichismo espacial. Aquela conversa de Harvey sobre a impossibilidade de pensar as relações sociedade/espaço como determinações unilaterais não é exatamente isso? E aquele papo do Soja sobre a "dialética socioespacial", retórica malandra que ele usa para afirmar que regiões são o mesmo que classes e grupos sociais e que, sendo assim, é possível dizer que há "regiões que exploram regiões"? (Diniz Filho, 2002).
Exemplo de malabarismo retórico tão explícito quanto esse de Soja é o que Milton Santos exibiu em seu libro O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. Logo no início, ele diz que seu objetivo é mostrar que o espaço não é só um "palco" onde as coisas acontecem, mas também um "ator" (sic). Para chegar a esse resultado sem cair num fetichismo espacial, o autor saiu-se com essa pérola:
Pode-se entretanto atribuir ao lugar, em si mesmo, esse poder? Ou o poder de comando e de regulação são deferidos a entidades públicas e privadas, dotadas de força? Sem dúvida, o exercício do poder regulatório por empresas e pelo poder público não é independente dos sistemas de engenharia e dos sistemas normativos presentes em cada lugar, mas este, em si mesmo, não dispõe de nenhuma força de comando. Retomamos assim a definição do espaço como um conjunto indissociável de sistemas de objetos e de sistemas de ação, consideração indispensável para não se atribuir valor absoluto à metáfora. Tomando essa cautela, pode-se dizer que há espaços que comandam e espaços que obedecem, mas o comando e a obediência resultam de um conjunto de condições, e não de uma delas isoladamente (Santos; Silveira, 2003, p. 265).
Como é que é?! Vou traduzir: Santos diz que o exercício do poder é um atributo das instituições, mas, como são necessários objetos para que as ações de poder se realizem, e como as ações também são espaço, pode-se dizer que, num certo sentido, são alguns lugares que mandam e outros que obedecem. É como afirmar que o professor ensina e o aluno aprende, mas, uma vez que as ações são espaço, e como são necessárias salas de aula, sistemas de iluminação, além de mesas e cadeiras para que as aulas aconteçam, podemos concluir que, num certo sentido, o lugar de onde o professor fala explica a matéria e o espaço onde estão as cadeiras dos alunos presta atenção...
Se alguém souber de outra forma de interpretar essa passagem do livro, pode me contar! Só não me venham dizer que eu é que não consigo entender a sutileza "dialética" do raciocínio dele, pois eu não caio nessa. Já nos anos 1990 eu destrinchei esse tipo de truque "dialético" na obra do Soja (ver aqui).
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DINIZ FILHO, L. L. Certa má herança marxista: elementos para repensar a geografia crítica. In: KOZEL, S.; MENDONÇA, F. A. (org.).
Elementos de epistemologia da geografia contemporânea. Curitiba: Ed. da UFPR, 2002.
SANTOS, M.; SILVEIRA, M. L. (org.).
O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. 5. ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Record, 2003.
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