Sinal amarelo na América Central
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Sinal amarelo na América Central



Em fins de junho ocorreu golpe de Estado em Honduras. Era já uma tragédia anunciada. O presidente legítimo Manuel Zelaya tomava a frente de uma campanha em favor de plebiscito que decidiria sobre a instalação de Assembléia Constituinte que talvez permitisse, de forma democrática, transformar com mais profundidade a grave realidade social hondurenha. Em Honduras, 7 em cada 10 habitantes se encontram em estado de pobreza ou de pobreza extrema. Setores conservadores e oligárquicos, representados nas diversas instâncias da Justiça, no Parlamento e no Exército arquitetaram golpe de Estado para depor Zelaya e barrar o avanço rumo à Assembléia Constituinte. Assim, o golpista Roberto Micheletti tomou o poder.
Zelaya tem origem nos quadros conservadores do liberalismo. Contudo, a crise econômica empurrou-o à esquerda. No plano internacional, buscou diálogos com países da ALBA (Alternativa Bolivariana dos Povos da América Latina), Venezuela, em particular. O impacto da crise nos EUA sobre os países da América Central é quase direto. No momento em que a crise e o desemprego se aprofundam nos EUA, secam as remessas de dinheiro dos imigrantes latinos para seus países de origem. Mais que isso, muitos deles retornam, sem que suas economias tenham condições de acolhê-los. Assim, Zelaya foi levado pela conjuntura a assumir posições mais à esquerda. Em resposta, os conservadores deram o golpe.
Imediatamente, organismos internacionais –desde a ALBA até a União Européia, ONU e OEA – manifestaram-se em defesa da legalidade, em favor de Zelaya, recusando-se a reconhecer a legitimidade do governo golpista de Micheletti. Mesmo o Banco Mundial e o BID suspenderam suas operações em Honduras. Ao mesmo tempo, o povo hondurenho iniciou movimento de resistência contra o golpe. Indígenas, camponeses, organizações estudantis e sindicais formaram a Frente de Resistência Popular que tem encaminhado um conjunto de manifestações de massas, chegando a conclamar a população à desobediência civil. Em resposta, o governo golpista tem empreendido uma repressão brutal: mortes, prisões arbitrárias, agressões nas ruas, toques de recolher etc. Sem a saída imediata dos golpistas, o quadro tende a se agravar.
O golpe em Honduras não é um fato isolado. Em primeiro lugar, se inscreve na longa tradição golpista das elites da América Latina que, em estreita aliança com o imperialismo, principalmente estudunidense, sempre barrou com violência extrema os movimentos de transformação social empreendidos pelas massas. Em segundo, se inscreve nos processos mais recentes. Como resposta à secular opressão e, mais concretamente, às conseqüências nefastas do neoliberalismo nas últimas décadas, os povos latino-americanos têm dado, muitas vezes, respostas mais radicalizadas. Respostas expressas, por exemplo, nas transformações promovidas pela revolução Bolivariana em curso na Venezuela ou pelos movimentos populares que chegaram ao governo na Bolívia – para não falar dos precursores de décadas atrás, os cubanos.
Diante desse processo recente, as elites locais, em estreita aliança com os EUA, não hesitaram em responder com golpes de Estado que fraturassem a democracia. Foi assim no caso "mal-sucedido" da tentativa de golpe na Venezuela em abril de 2002, a que o povo resistiu; ou no caso "bem-sucedido" do golpe que produziu um impasse no Haiti, em 2004.
Justamente por isso, a situação é delicada. Foi Fidel Castro quem chamou atenção para a chamada "dupla moral" do governo estadunidense. De um lado, são conhecidas as ingerências dos interesses dominantes dos EUA nos assuntos dos países latino-americanos, muitas vezes em favor de movimentos golpistas à direita. De outro, é provável que, no contexto atual de profunda crise do modelo liberal, Obama procure construir um discurso mais "democrata". Mas será que a extrema direita estadunidense foi completamente afastada dos espaços que comandam a política externa dos EUA? Talvez Obama não represente, de fato, ruptura tão radical. Assim, é necessário ter cuidado com a posição que o governo estadunidense tem adotado: de um lado, defende a legalidade e recusa-se a reconhecer a legitimidade do governo golpista de Micheletti; de outro, em certos discursos, começa a apontar no sentido de intermediar um diálogo que busque alguma conciliação entre Zelaya e os golpistas.
Essa observação cuidadosa de Fidel sugere outra questão: será que governo estadunidense, ao colocar-se como mediador do conflito – mesmo que em favor de Zelaya –, não estaria interferindo na soberania de Honduras e, no limite, fraturando o direito à autodeterminação dos povos? Mais: esse tipo de intervenção estadunidense não poderia ajudar a legitimar outras intervenções que – no contexto de radicalização das lutas na América Latina – tivessem caráter anti -popular e anti-nacional?
A situação é delicada. Deve-se distinguir com muito cuidado os movimentos que representam a união de forças em favor da democracia em Honduras – em favor do povo hondurenho – de armadilhas diplomáticas que, no futuro, podem representar uma fratura no direito à autodeterminação dos povos.

Carlos Alberto Cordovano Vieira, Guga Dorea, João Xerri, o.p., José Juliano de Carvalho Filho, Marietta Sampaio e Thomaz Ferreira Jensen, do Grupo de São Paulo - um grupo de pessoas que se revezam na redação e revisão coletiva dos artigos de análise de Contexto Internacional do Boletim Rede, editado pelo Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade, de Petrópolis, RJ.
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Artigo publicado na edição de agosto de 2009 do Boletim Rede.
Texto reproduzido do sitio Correio da Cidadania




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