Piratas da natureza
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Piratas da natureza


Substâncias extraídas de plantas e animais amazônicos são patenteadas no exterior

O termo pirataria remete a um mundo em que homens com tapa-olho e espada na cintura viviam de roubos no mar - uma lembrança do passado que sobrevive em filmes e histórias infantis. No entanto, piratas ainda existem na vida real, embora não correspondam a essa imagem: eles trocaram o mar pela floresta, detêm grande conhecimento científico e, em vez de ouro, roubam plantas e animais para contrabandeá-los para o exterior. São os biopiratas.

A Universidade de Cincinnati (Estados Unidos)
patenteou uma substância retirada do guaraná

O fenômeno não é novo. "O ciclo da borracha na Amazônia acabou porque os ingleses contrabandearam a semente da seringueira para a Malásia", lembra o biofísico Antônio Paz de Carvalho, presidente da Extracta Moléculas Naturais. O Brasil, porém, não foi apenas vítima dos biopiratas: o próspero ciclo econômico do café aconteceu graças a sementes trazidas ilegalmente da Guiana. O termo biopirataria, no entanto, surgiu recentemente para designar o contrabando da biodiversidade para grandes laboratórios internacionais.

A convenção internacional da biodiversidade estabelecida em 1992 determinou que ela pertence ao país em que se encontra. O acordo, porém, é contestado pelos Estados Unidos, e não impede a presença ilegal de pesquisadores estrangeiros na Amazônia, facilitada pela deficiência da legislação brasileira para regulamentar a coleta de material em expedições científicas. Em 2000, elaborou-se às pressas uma Medida Provisória (MP) para bloquear um contrato mal feito entre o governo brasileiro e uma multinacional. "A MP não diferencia interesse econômico de interesse científico e dificulta o intercâmbio com instituições no exterior", avalia o zoólogo Ângelo Machado, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Fundação Biodiversitas.

Esse intercâmbio, no entanto, é foco de controvérsias. "Não dá para assegurar que a troca terá apenas fins científicos", critica Paz de Carvalho. "O Brasil não tem cientistas o bastante para estudar a floresta sozinho", ressalta Ângelo. O engenheiro agrônomo Luiz Antônio de Oliveira, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) levanta outras questões: "Menos de 1% dos recursos para pesquisa estão na Região Norte. Não há incentivos para a formação de recursos humanos ali."



Um ingrediente ativo da planta Psychotria viridis, sorvido ritualisticamente por populações da Amazônia, foi patenteado por uma empresa norte-americana

Os químicos Maria da Paz Lima e Adrian Martin Pohlit, do Inpa, lembram que as populações tradicionais, responsáveis pela descoberta de muitas substâncias, não recebem nenhum retorno. Eles ressaltam a "obrigação moral de compartilhar os proventos de descobertas com os povos cujos conhecimentos e uso dessas plantas foi motivo da preparação do extrato". Uma lei da senadora Marina Silva (PT-AC) em trâmite no Congresso tenta atender a essas diferentes demandas. Ainda que seja aprovada, será difícil colocá-la efetivamente em prática. "Quem quiser contrabandear a biodiversidade amazônica só precisa comprá-la no mercado Ver-o-Peso, em Belém", diz Paz de Carvalho.


Renata Ramalho
Ciência Hoje/RJ





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