Pesquisador militante é como pesquisador criacionista
Geografia

Pesquisador militante é como pesquisador criacionista





A charge acima ilustra uma das críticas mais conhecidas aos cientistas que procuram fundamentar o criacionismo: a de que eles violam um dos princípios fundamentais da metodologia científica, que é a exigência de partir das observações empíricas para formular teorias capazes de descrevê-las racionalmente. Esbarrei com essa charge na internet estes dias e me veio à lembrança uma mesa-redonda sobre educação no campo a que assisti em maio do ano passado. Na ocasião, uma doutoranda em geografia que integrava essa mesa começou sua palestra dizendo que, como não existe neutralidade científica, seu trabalho segue a perspectiva do "pesquisador militante"...

Tenha dó! Militante é alguém que defende uma causa (atividade essa que, em si mesma, não tem nada de errado). Em função disso, o militante procura convencer os outros da justeza e necessidade da sua causa fazendo uso da retórica, que consiste na elaboração de discursos visando justamente o convencimento do maior número possível de pessoas. Assim, é próprio da retórica o esforço para elaborar tantos argumentos quanto se puder para servir à causa, sendo que tais argumentos serão honestos ou não a depender da postura ética do militante. É próprio da retórica selecionar as evidências que devem ser postas em destaque e aquelas que é melhor deixar de lado, seleção essa guiada sempre pelo interesse na causa.

Ora, esse tipo de argumentação, embora válida nos campos do direito e da política, é incompatível com o trabalho de pesquisa! O cientista deve necessariamente tentar levar em consideração todas as evidências pertinentes ao seu objeto de estudo para produzir explicações científicas que sejam o mais detalhadas e fundamentadas possível. Um pesquisador não pode, em hipótese alguma, selecionar as evidências que interessam para comprovar suas convicções apriorísticas sobre qual é a explicação correta para um dado fenômeno e ignorar ou esconder aquelas evidências que não se encaixarem em tal explicação. Essa obrigação é válida quando se trata de testar uma hipótese de pesquisa que o cientista formulou antes de iniciar uma investigação empírica, e muito mais válida ainda quando se trata de alguma concepção religiosa ou ideologia política.

É justamente por assumirem essa postura do "pesquisador militante" (uma contradição em termos) que os geógrafos contemporâneos deixam de produzir ciência para fazerem retórica político-ideológica em favor de causas. A política nacional de reforma agrária é o exemplo mais eloquente disso, pois, conforme eu já indiquei no artigo Agricultura e mercado no Brasil, os geógrafos rurais selecionam informações estatísticas e argumentos movidos pelo desejo de comprovar a necessidade e justeza do projeto de "reforma ampla e massiva", e isso sem se importarem com a falta de sustentação empírica desses argumentos e nem com as contradições lógicas entre um argumento e outro! Não só atuam como militantes disfarçados de cientistas como ainda conseguem ser militantes dos piores, já que seus argumentos afrontam a realidade de tal forma que acabam constituindo mentiras, pura e simplesmente.

O criacionista tem a verdade da sua religião e busca os fatos que possam servir para fundamentá-la cientificamente. O pesquisador militante tem a verdade da sua ideologia e, em nome dela, age do mesmo modo que os criacionistas.




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