Quando, em abril, o jogador de futebol argentino Leandro Desábato, do Quilmes, chamou Grafite, do São Paulo, de "macaco", a questão do racismo voltou à tona. Na Argentina, o tema é particularmente polêmico - sobretudo porque o tráfico de negros lá teve um fim terrível: a maior parte dos africanos simplesmente sumiu.
O comércio negreiro durou entre os séculos 15 e 19 (a abolição foi em 1853). Num censo de 1778, a população negra chegava a 54% em algumas regiões argentinas. Em 1887, caiu para 1,8%. "A dizimação está ligada às guerras dos espanhóis contra ingleses, no fim do século 18. Nelas, morreram uma boa parte dos negros, engajados como soldados", afirma o historiador Álvaro de Souza Gomes Neto, especialista em escravidão. Mais tarde, no processo de independência (que aconteceu em 1816), foram formadas companhias apenas de negros, os "batalhões de libertos". Com a promessa de liberdade, eles ocuparam as posições mais perigosas. "Morreram quase todos."
Outro motivo para o sumiço foi epidemia de febre amarela, em 1871. Os negros libertos, vivendo em condições de extrema miséria em guetos, foram os mais afetados. Soldados argentinos impediam a saída deles dos bairros em que moravam, com medo de a epidemia se alastrar entre os brancos. Assim, eles morriam sem atendimento médico.
Descendentes foram "branqueados" legalmente
Cláudia de Castro LimaAlém da dizimação na prática, a Argentina organizou uma na teoria, registrando todos os descendentes de escravos como brancos. O processo ficou conhecido como "política de branqueamento" e foi praticado no início do século 19. Para o governo argentino, o desenvolvimento e o progresso do país estavam atrelados à cor da pele da população.
Muitas mulheres negras, com a ausência de homens da mesma etnia, casaram-se e tiveram filhos com brancos, inclusive com imigrantes europeus, que começaram a desembarcar no país antes da metade do século 19. Seus filhos, embora tivessem traços negros comprovados, eram registrados como brancos. "As estatísticas, assim, acabaram registrando um sumiço repentino de toda a população negra da Argentina", diz o historiador Álvaro de Souza Gomes Neto. "Todo argentino que não seja descendente de indígenas tem um traço de sangue negro, mesmo que em pequena proporção."
Trabalho e racismo
? O sistema econômico argentino começou a substituir a mão-de-obra escrava já por volta de 1840. "Em Buenos Aires, a força de trabalho foi basicamente de imigrantes russos, italianos, espanhóis e judeus novos", afirma o professor Álvaro Neto. No nordeste do país, a força de trabalho era, na maior parte, indígena.
? O na Argentina é forte desde o século 19. "Até os anos 1930, a ·moda· entre os negros era vestir-se, agir e falar como branco", diz Álvaro. "Desde o século 18, identificar alguém com traços negros colocava a pessoa numa condição social extremamente baixa. Há processos e buscas de retratações de pessoas registradas assim." Lá, chamar alguém de "macaco", por exemplo, não é crime.
? O século 20 presenciou uma nova leva de imigrantes africanos na Argentina. "Temos aqui no pais uma comunidade organizada de cabo-verdianos que chegaram principalmente entre as duas guerras mundiais em busca de melhores possibilidades de trabalho" afirma a filósofa argentina Dina Picotti. Segundo ela, a imigração africana vem crescendo novamente nos últimos dez anos.
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