O quark s carrega uma espécie de carga chamada ?estranheza?, descoberta nos anos 50. Dentro da teoria que descreve a dinâmica dos quarks (cromodinâmica quântica), foi prevista a possibilidade de que, se a matéria tivesse os quarks s ? além dos tipos u e d ?, ela se tornaria mais estável, quando submetida a uma densidade extremamente alta. Para se ter uma idéia, um centímetro cúbico dessa matéria pesaria cerca de 10 bilhões de toneladas. Nessa densidade, os quarks confinados no interior dos núcleons seriam liberados no espaço e a matéria passaria a ser formada de quarks individuais.
Esse estado da matéria é chamado ?a matéria de quarks estranha? e uma pequena porção dessa matéria estranha é chamada de strangelet (gotinha de estranheza). O strangelet, assim como a matéria normal, pode ter tamanho arbitrário e, quanto maior for, mais estável se torna. Se tiver tamanho microscópico, o strangelet é bem instável e se transforma rapidamente na matéria usual.
Para criar essa matéria estranha, deve haver uma compressão extraordinária da matéria, como ocorre dentro de uma estrela superdensa, como as estrelas de nêutrons e de quarks. O strangelet também pode ser criado no cenário de Big Bang do universo primordial. Alguns autores associam esse tipo de strangelet (strangelet cosmológico) à matéria escura que compõe o universo, cuja natureza ainda não conhecemos.
Outra possibilidade de criar o strangelet é pela colisão de íons pesados submetidos à energia ultra-relativística, como nos aceleradores de partículas RHIC, do Laboratório Nacional de Brookhaven (Estados Unidos), e o LHC, do Centro Europeu de Física de Partículas (Cern), na Suíça. Nos experimentos realizados no RHIC nos últimos cinco anos, não foi detectado sinal de formação de strangelet, apesar da abundante produção de partículas elementares com carga de estranheza.
Uma das possíveis propriedades dessa hipotética porção de matéria (strangelet) é que, ao interagir com a matéria usual, poderia absorvê-la, transformando-se em um strangelet maior e, conseqüentemente, com maior estabilidade, o que faria o processo continuar indefinidamente, aumentando cada vez mais a massa do strangelet. Assim, um strangelet poderia engolir toda a matéria normal a sua volta, até se tornar um buraco negro.
Por isso, cada vez que se planeja um novo experimento de colisões nucleares a alta energia, alguns meios de comunicação sensacionalistas costumam questionar se ele poderia desencadear um processo irreversível e levar a uma catástrofe mundial. Isso aconteceu nos anos 70 com o primeiro experimento realizado no acelerador de partículas Bevalac, do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley (Estados Unidos), assim como com os experimentos no RHIC a partir do ano 2000 e agora com o projeto do LHC programado para o próximo ano.
Embora não se possa provar rigorosamente que essa possibilidade não exista, na opinião da maioria dos físicos ela é muito remota, já que os strangelets microscópicos formados nessas colisões seriam instáveis e, em menos de um milésimo de segundo, se transformariam em matéria comum. Além disso, se fosse possível, já teria acontecido, uma vez que as colisões dessa energia vêm ocorrendo na natureza através de raios cósmicos.
Takeshi Kodama
Instituto de Física,
Universidade Federal do Rio de Janeiro