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Por que a história do filme 'A Entrevista' revoltou a Coreia do Norte?
Jaime González
Da BBC em Los Angeles
Poster do filme norte-americano The Interview, que satiriza governo na Coreia do Norte
Fontes no FBI, a polícia federal americana, asseguram que a Coreia do Norte está por trás do recente ataque cibernétrico à Sony Pictures, atribuído a um grupo de hackers que se autodenomina GOP (Guardians of Peace - ou Guardiões da Paz, em tradução livre).
A notícia de que o regime norte-coreano estaria envolvido no roubo de informações surgiu dois dias depois de a Sony anunciar que suspenderia o lançamento do filme A Entrevista, uma paródia a Kim Jong-un, líder do país asiático.
O estúdio tomou a decisão depois de algumas das principais redes de cinemas dos Estados Unidos cancelarem a exibição do filme. Elas alegam ter sofrido ameaças de hackers da GOP.
Tais acontecimentos - que incluem a interceptação de uma enorme quantidade de dados da Sony Pictures, incluindo milhares de e-mails trocados pelos principais executivos do estúdio - causaram revolta e surpresa em Hollywood.
Kate Perry
Muita gente se pergunta: o que acontecerá com a liberdade de expressão na meca do cinema mundial, uma vez que piratas eletrônicos são capazes de evitar que um filme, por mais polêmico que seja, chegue às salas de projeção?
A Entrevista gira em torno de um plano para que jornalistas norte-americanos - interpretados por James Franco y Seth Rogen - assassinem Kim Jong-un.
No filme, o líder norte-coreano é fã de um talk-show com famosos apresentado pelo personagem de Franco. O fato é então aproveitado pela CIA, que decide orquestrar uma viagem dos repórteres à nação asiática com o objetivo de assassinar o mandatário.
Na tela, Kim Jong-un e o jornalista Dave Skylark - interpretado por Franco - compartilham seus vícios por basquete, pelas músicas de Katy Perry e pelas mulheres.
Preocupação Cena do filme estrelado por James Franco, cuja estreia foi cancelada pela Sony Pictures
De acordo com os e-mails de executivos da Sony trazidos a público nas últimas semanas, a direção do estúdio estava mesmo preocupada com a reação da Coreia do Norte à estreia de A Entrevista - mesmo antes de um funcionário do governo de Pyongyang classificar a película como um "ato de guerra", em junho passado.
No mês de maio, por exemplo, um alto executivo da Sony disse ter reservas à data inicialmente prevista para a estreia do filme.
Keith Weaver considerava que a estreia em 10 de outubro não seria uma boa indeia, já que neste dia a Corea do Norte celebra uma de suas festas nacionais mais importantes.
Em junho, a Sony Pictures decidiu que as ações promocionais do filme, junto a seus diretores e protagonistas, deveriam minimizar a importância do roteiro político de A Entrevista.
O temor de possíveis repercussões negativas também ficava claro num e-mail em que Amy Pascal, vice-presidente da Sony Pictures, sugeria a Seth Rogen - codiretor ao lado de Evan Goldberg - mudanças na cena em que se vê a cabeça de Kim Jong-un explodindo. A ideia era torná-la menos sangrenta.
Mas estas cenas realmente justificam os ataques cibernéticos à Sony que supostamente foram orquestrados pelo governo da Coreia do Norte? Alguns dos jornalistas consultados pela BBC que chegaram a assistir ao filme não acham que seja para tanto.
"Humor vulgar"
"Tenho a sensação de que o motivo pelo qual não se está falando muito sobre o filme é porque ele nem chega a ser uma boa comédia", diz Scott Foundas, crítico da revista Variety.
"Ao longo das décadas vimos bons filmes cuja história acontece em regimes totalitários, como O Grande Ditador, de Charles Chaplin, ou Dr. Fantástico, de Stanley Kubrick. No caso de A Entrevista, não me parece um filme especialmente subversivo ou surpreendente", assinala Foundas.
"É uma película de humor vulgar e juvenil, cujo argumento acontece por casualidade na Coreia do Norte, mas que poderia estar situado em qualquer outro lugar."
O crítico da Variety não acredita que ninguém que assista a A Entrevista considere o filme "incendiário no ponto de vista político" e acredita ser irônico que um filme como este tenha causado tanta revolta, "já que é bastante inócuo".
"Kim Jong-un é apresentado da maneira mais óbvia, tendo-se em conta o pouco que se sabe dele. O mostram como um menino mimado que tem traumas com seu pai."
"Muitas das cenas do filme consistem em Kim Jong-un jorgando basquete ou escutando a músicas de Katy Perry com o personagem de James Franco", explica o jornalista.
Críticos se dividem em relação ao enredo, considerado "bobo" por alguns 'Liberdade de expressão'
Jen Yamato, crítica de cinema da Deadline Hollywood, tem uma opinião mais favorável ao filme, ainda que também não creia que seu enredo justifique o ataque sofrido pela Sony.
"Achei divertida e acho que é uma boa sátira do mundo do jornalismo, em particular o jornalismo de entretenimento e celebridades, e sobre como às vezes ele se mistura com a política", diz Yamato em entrevista à BBC Mundo.
"Alguns dirão que é só mais uma comédia de James Franco e Seth Rogen, mas a acho mais sofisticada que isso. A ideia de fazer ficção a partir da intenção de assasinato de um líder mundial ativo nunca tinha sido feita dessa maneira", diz a jornalista.
"Cinema é arte, e através da arte é possível fazer interpretações sobre a atualidade e a política", diz Yamato.
Justificada ou não a ira do governo norte-coreano com o argumento de A Entrevista, o certo é que o cancelamento de sua estreia causou surpresa e indignação em Hollywood. Muitos consideram que o ataque à Sony e as ameaças dos hackers do GOP não deixaram alternativas ao estúdio.
"Se houvesse acontecido algum incidente em algum cinema, a Sony teria que enfrentar processos de dezenas de milhões de dólares e se teria criado um problema enorme", alerta Stephen Galloway, editor da revista The Hollywood Reporter.
"Acho que se trata da um precedente terrível, mesmo que a Sony não tivesse outra saída. Este ataque causou muitos danos ao estúdio e vão perder muito dinheiro", afirma.
Galloway conhece há anos Amy Pascal, vice-presidente da Sony e uma das pessoas mais prejudicadas pelos vazamentos do ataque cibernético.
"É triste. Amy Pascal é uma amante do cinema. É incrível que agora se veja envolta em um incidente com ramificações de política internacional que envolveu até Barack Obama. Deve ser tremendamente difícil para ela."
BBC Brasil
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