Na sequência da publicação, no Washigton Post de 1 de Abril passado, de uma carta do Juiz Richard Goldstone, retractando-se de afirmações contidas no relatório da Missão de Averiguação ao Conflito de Gaza, a que tinha presidido, têm-se assistido a uma campanha de desinformação com o objectivo claro de confundir a opinião pública, desacreditar o relatório e branquear os crimes cometidos por Israel.
Após a retractação parcial de Goldstone, o primeiro-ministro Netanyahu declarou que esta exonerava Israel de quaisquer erros na Operação Chumbo Derretido e que o Relatório deveria ser posto de parte, esquecendo-se porém que a retractação de Goldstone, não subscrita pelos restantes membros da Missão, dizia exclusivamente respeito a uma das trinta e seis alegações contra Israel, aquela em que se afirmava que as forças armadas israelitas tinham alvejado deliberadamente civis, e isto com base no testemunho das próprias forças armadas israelitas!
Também carece de racionalidade a tentativa de equiparar as responsabilidades de Israel e do Hamas, confundindo o agressor com o agredido e ignorando a gritante diferença de meios entre as duas partes bem como a enorme desproporção das perdas sofridas e dos danos infligidos.
O MPPM denuncia esta manobra e recorda os factos que continuam a justificar a exigência de que Israel seja responsabilizado pelas consequências da sua agressão contra o povo de Gaza.
Em Abril de 2009, no rescaldo da agressão israelita contra Gaza, que causou a morte de mais de 1400 palestinos e a destruição de numerosas habitações, equipamentos sociais, empresas e infra-estruturas, o Conselho para os Direitos Humanos das Nações Unidas designou uma Missão de Averiguação ao Conflito de Gaza, que produziu um documento que ficou conhecido por "Relatório Goldstone".
Esta Missão foi composta pelo prestigiado juiz sul-africano Richard Goldstone, que presidiu, pela advogada Hina Jilani, do Supremo Tribunal do Paquistão, pela professora Christine Chinkin, da London School of Economics and Political Science, e pelo coronel irlandês aposentado Desmond Travers, que integrou várias missões dos capacetes azuis no Líbano e na antiga Jugoslávia e é um especialista em direito humanitário internacional.
A Missão destinou-se a averiguar alegadas violações dos direitos humanos e dos direitos humanitários (de acordo com as Convenções de Genebra e de Haia sobre crimes de guerra), nos termos da lei internacional, nos territórios palestinos, nomeadamente na Faixa de Gaza, durante a Operação Chumbo Derretido, isto é, durante o ataque das forças armadas israelitas contra Gaza entre 27 de Dezembro de 2008 e 18 de Janeiro de 2009, ou em período imediatamente antecedente ou subsequente.
Após profunda reflexão, e tendo em conta a situação que viveu na África do Sul durante o apartheid (Goldstone nasceu em 1938 e foi juiz no Supremo Tribunal do Transvaal e no Supremo Tribunal da África do Sul) e o facto de ter estado associado a organizações que trabalharam em Israel e as suas preocupações com a paz no Médio Oriente, decidiu aceitar a nomeação para o cargo. Frisou, contudo que averiguaria as responsabilidades de ambas as partes.
Contudo, o governo israelita recusou cooperar com a investigação, acusando o Conselho para os Direitos Humanos de ter preconceitos contra Israel e de não ser assim possível que produzisse um relatório isento.
Também o Hamas começou por rejeitar o Relatório, embora posteriormente o tenha adoptado, insistindo que as suas conclusões fossem aceites pela comunidade internacional.
O Relatório, apresentado em 15 de Setembro de 2009, concluiu que ambos os lados cometeram violações das leis da guerra, acusando quer as forças armadas israelitas, quer os militantes palestinos de crimes de guerra e possivelmente de crimes contra a humanidade. Em consequência, recomendou que as partes procedessem a uma investigação para apurar responsabilidades e, não o fazendo, que fossem arguidas perante o Tribunal Penal Internacional.
Os principais pontos do Relatório relativamente a Israel são os seguintes:
Relativamente ao Hamas, o Relatório aponta o seguinte:
Em 16 de Outubro de 2009, o Conselho para os Direitos Humanos aprovou o Relatório Goldstone, com 25 votos a favor, 6 votos contra e 11 abstenções. Apesar de o Relatório criticar ambas as partes, ele foi fortemente atacado pelo governo israelita e por muitos grupos de judeus, que o consideram hostil a Israel. Também o Hamas negou que tivesse cometido crimes de guerra. O próprio Goldstone foi pessoalmente atacado como tendencioso, desonesto e parcial, ao que o mesmo respondeu que, sendo judeu, tinha uma obrigação especial de participar nas investigações.
Em 1 de Abril de 2011, Goldstone retractou-se no Washington Post, dizendo que "se soubesse na altura o que sabe agora o Relatório teria sido diferente", no que se refere à política do governo israelita de atacar deliberadamente alvos civis. E que o Israel, ao contrário do Hamas, tinha procedido posteriormente a averiguações internas quanto aos factos apontados. Em 14 de Abril, os três restantes membros da Missão criticaram a retractação de Goldstone relativamente a esse aspecto, sustentando a validade do Relatório e que tanto Israel como o Hamas não tinham procedido a investigações satisfatórias quanto aos alegados crimes de guerra. "Não há justificação para qualquer exigência ou expectativa de que o relatório seja reconsiderado, na medida em que nada de substancial foi apresentado que altere, de algum modo, o contexto, as evidências ou conclusões desse relatório."
Parece evidente que o juiz Richard Goldstone foi sujeito a graves pressões para contradizer um dos aspectos essenciais do Relatório que, em conjunto com os outros três elementos, ele mesmo subscrevera.
Aliás, e relativamente aos alvos civis, está amplamente demonstrado que os soldados israelitas alvejaram civis com armas ligeiras (Observatório de Direitos Humanos) e que atacaram deliberadamente ambulâncias e socorristas que tentavam evacuar feridos, provocando a morte a pessoas que poderiam ter sido salvas (Amnistia Internacional).
Não existem também quaisquer dúvidas de que Israel atingiu intencionalmente as infra-estruturas civis. Foram destruídas ou danificadas 58.000 casas, das quais 6.300 completamente, bem como 280 escolas e jardins infantis. Seis universidades foram completamente arrasadas, 1.500 fábricas e oficinas foram igualmente destruídas, bem como muitos edifícios oficiais, instalações de água e esgotos. As colheitas foram destruídas em 80% bem como um quinto da área cultivada. A destruição abrangeu ainda 30 mesquitas, 74 esquadras de polícia e o único moinho de farinha operacional em Gaza. Foram ainda danificados 16 hospitais e 43 instalações de serviços de saúde (Dados de Norman Finkelstein a partir do Relatório Goldstone).
Leia a versão integral do Relatório (em inglês)
Fonte: http://www.mppm-palestina.org