Moniz Bandeira: Unasul não convém aos EUA
Geografia

Moniz Bandeira: Unasul não convém aos EUA


Terça, 18 de agosto de 2009 

Moniz Bandeira: Unasul não convém aos EUA

Claudio Leal

http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI3928113-EI6580,00.html


O cientista político Luiz Alberto Moniz Bandeira, um dos principais especialistas na história da diplomacia brasileira, analisa que "o objetivo da ampliação das bases (dos EUA) na Colômbia é restringir a projeção do poder político e militar do Brasil, frustrando iniciativas como a Unasul e o Conselho Sul-Americano de Defesa." 

Em entrevista a Terra Magazine, o professor titular de história política exterior do Brasil, na Universidade de Brasília, argumenta que o desenvolvimento dessas organizações multilaterais não interessa aos EUA:
- Essas instituições, que dão à América do Sul uma identidade própria, não convém aos Estados Unidos (...) A presença dos Estados Unidos sempre foi um fator de desestabilização em todas as regiões do mundo e seu objetivo com a ampliação das bases na Colômbia é fomentar um cisma e impedir a integração econômica e política da América do Sul.

Autor de Fórmula para o caos: a derrubada de Salvador Allende, 1970-1973, Moniz Bandeira comenta a liberação de documentos inéditos pelo Departamento de Estado dos EUA. Entre as revelações, uma conversa entre os presidentes Emílio Garrastazú Médici e Richard Nixon, no Salão Oval da Casa Branca, em 9 de dezembro de 1971. O ditador Médici afirmou que o Brasil "estava trabalhando" pela derrubada do governo do chileno Salvador Allende. Para Moniz Bandeira, a íntegra da conversa "não surpreende".
- Colaboração realmente houve (entre Brasil e CIA), mas todo o processo de desestabilização do governo do presidente Salvador Allende foi financiado e conduzido pela CIA e pelos serviços de inteligência militar da Marinha e do Exército dos Estados Unidos. A participação do Brasil foi importante, mas secundária. Não foi fundamental. 

Leia a entrevista:


Terra Magazine - A conversa entre os presidentes Richard Nixon e Emílio Garrastazu Médici, em 1971, exposta em papéis liberados pelo Departamento de Estado dos EUA, modifica com intensidade os relatos já existentes sobre o papel do Brasil no golpe militar chileno?
Moniz Bandeira
- A revelação do memorandum da conversa entre o general Emílio Garrastazú Médici e o presidente Richard Nixon não surpreende. Era perfeitamente imaginável que os dois chefes de governo conversaram sobre o assunto, quando Médici visitou os Estados Unidos. E conversaram não apenas sobre o Chile, como sobre o Uruguai, onde o Brasil, segundo o próprio Nixon revelou ao primeiro-ministro da Grã-Bretanha, ajudou a fraudar a eleição para evitar a vitória da Frente Ampla. Tudo isto está em meu livro Fórmula para o caos - A derrubada de Salvador Allende, lançado no ano passado, simultaneamente, no Brasil e no Chile (e este ano em Portugal). 

Médici afirmou que o Brasil "estava trabalhando" pela sublevação das Forças Armadas do Chile. Como se deu esse entendimento com militares chilenos?
Os entendimentos foram efetuados através dos serviços de inteligência do Brasil, aos quais Médici encarregou a tarefa de ajudar a articulação do golpe, naturalmente em contacto com a CIA. O embaixador de Brasil no Chile, Antonio Cándido da Cámara Canto, era um homem de extrema direita e adversário do governo de Salvador Allende, mas o general Garrastazú Médici deixou a cargo dos militares a missão de articular com os militares chilenos e os dirigentes de Patria e Libertad, com a assistência da CIA, os planos para o golpe. Eduardo Díaz Herrera, dirigente de Patria y Libertad desenvolveu um plano que envolvia o Serviço Nacional de Informações (SNI) e os serviços de inteligência do Exército, Marinha e Aeronáutica do Brasil. Ele e Manuel Fuentes estiverem em Brasília e lá se reuniram com altos oficiais das Forças Armadas, entre os quais o general João Batista Figueiredo, chefe da Casa Militar da Presidência e o coronel Venceslau Malta. De acordo com o plano elaborado, se ocorresse uma cisão nas Forças Armadas, se o golpe não fosse institucional, as unidades militares insurgentes e as Brigadas Operativas y Fuerzas Especiales (BOFE) de Patria y Libertad, ocupariam as províncias do sul de Chile, apoiadas secretamente pelo Brasil e Argentina, cujas Forças Armadas lhes dariam assistência logística e o armamento necessário. Sobre isto escrevi em Fórmula para o caos com base na documentação brasileira. 

Qual o nível de colaboração entre a ditadura brasileira e a CIA, na deposição de Salvador Allende?
Colaboração realmente houve, mas todo o processo de desestabilização do governo do presidente Salvador Allende foi financiado e conduzido pela CIA e pelos serviços de inteligência militar da Marinha e do Exército dos Estados Unidos. A participação do Brasil foi importante, mas secundária. Não foi fundamental. 

Como o senhor avalia a política brasileira de liberação de documentos sobre a ditadura militar? Quais são os pontos que devem ser priorizados?
Os documentos do SNI, que não foram incinerados nos anos 1980, estão disponíveis para a pesquisa no Arquivo Nacional, seção regional de Brasília. Também os do CIEX. Mas os arquivos do CIE, CENIMAR e CISA, as Forças Armadas relutam em entregar ao Arquivo Nacional, não obstante a determinação decretada pelo presidente Lula. 

BASES AMERICANAS NA COLÔMBIA

A ampliação das instalações militares americanas em território colombiano oferecem quais riscos para a segurança continental?
O objetivo da ampliação das bases na Colômbia é restringir a projeção do poder político e militar do Brasil, frustrando iniciativas como a Unasul e o Conselho Sul-Americano de Defesa. Essas instituições, que dão à América do Sul uma identidade própria, não convém aos Estados Unidos. Não se trata de risco para a segurança continental. A presença dos Estados Unidos sempre foi um fator de desestabilização em todas as regiões do mundo e seu objetivo com a ampliação das bases na Colômbia é fomentar um cisma e impedir a integração econômica e política da América do Sul. A ampliação das bases na Colômbia foi decerto planejada juntamente com a restauração da IV Frota no Atlântico Sul, visando a fortalecer a presença dos Estados Unidos na região e assegurar o controle de seus recursos naturais, como, por exemplo, a água e o petróleo.
Os EUA e a Colômbia caminham para um acordo bilateral. Isso será um erro diplomático do presidente Barack Obama na região?
A ampliação das bases na Colômbia não constitui uma iniciativa do presidente Barack Obama. Ele enfrenta séria oposição interna e não controla todo o aparelho de governo. Não tem muitas condições de reverter a influência do complexo industrial-militar. Atualmente quem pauta a política exterior dos Estados Unidos não é propriamente o Departamento de Estado, mas o Departamento de Defesa, o Pentágono. A militarização da política exterior dos Estados Unidos, formalizada com a criação dos comandos militares, para as diversas regiões, inclusive a América Latina (USSouthern Command), tomou impulso com os atentados de 11 de setembro de 2001. Esses comandos atuam como consulados do Império Americano. 

Caso se concretize a ampliação da presença militar americana, o Brasil deve reformular sua política para a Amazônia?
Não há o que reformular na política para a Amazônia como conseqüência da ampliação das bases americanas na Colômbia. Há muitos anos militares dos Estados Unidos trabalham não só na Colômbia como nos demais países limítrofes da Amazônia. E as Forças Armadas estão conscientes da ameaça, ainda que pareça remota. Todos os anos elas realizam operações de treinamento, tendo como primeira hipótese de guerra o enfrentamento com uma potência tecnologicamente superior no teatro de guerra da Amazônia. 

Terra Magazine
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