Impunidade é a marca dos crimes cometidos por autoridades
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Impunidade é a marca dos crimes cometidos por autoridades





Por
Michelle Amaral da Silva e Marcio Zonta
Polícia se utiliza de “auto de resistência” ou “resistência seguida de morte” para legitimar sua ação criminosa

Paulo Maciel foi executado por policiais militares em uma viela, próximo à avenida Marginal do Oratório, na altura do número 900, por volta das 4h50, em São Paulo (SP). Recebeu tiros no tórax, no coração e nas pernas. O jovem Sandro Wellington de Jesus, de 21 anos, que passava pelo local, testemunhou a sua execução e também foi vítima de disparos de arma de fogo. Posteriormente, os mesmos policiais que executaram Paulo Maciel, prenderam Sandro e o conduziram ao 70º Distrito Policial.
Hoje, Sandro está condenado a 24 anos de prisão, acusado de ter tentado, junto com Paulo, assassinar os policiais militares. Nesse processo nebuloso, a mãe do rapaz morto e a defensora de direitos humanos Valdênia Paulino estão sendo acusadas de falsidade ideológica, já que testemunharam em favor de Sandro. E a morte de Paulo permanece sem nenhuma investigação como sendo uma "resistência seguida de morte".
Casos como esse são corriqueiros na periferia das grandes cidades brasileiras. O registro de "resistência seguida de morte", chamado em outros estados da federação de "auto de resistência", segundo a historiadora Ângela Mendes de Almeida, coordenadora do Observatório das Violências Policias de São Paulo (OVP- SP), tem como objetivo “desviar a investigação para a figura do morto, além de legitimar assassinatos praticados pela polícia em territórios da pobreza: favelas e bairros periféricos das cidades”.
Segundo Ângela, a resistência seguida de morte não está no código penal, “é uma invenção, um hábito, que não encontra guarida em nenhuma legislação”. O auto de resistência foi criado no auge da ditadura civil-militar brasileira no estado da Guanabara, em 1969, e serviu para legitimar o assassinato de militantes de esquerda. Hoje, o expediente segue a todo vapor, como no Rio de Janeiro, onde ocorre uma média de três execuções policiais por dia atribuídas ao auto de resistência.
Impunidade
A advogada do Programa de Justiça da Conectas Direitos Humanos, Marcela Fogaça Vieira, observa que tudo é feito de forma a ajudar os policiais assassinos ficarem impunes. “O maior problema está no boletim de ocorrência feito pelos próprios policiais como resistência seguida de morte ou auto de resistência, justamente pelo fato de que são invertidos os papéis; os policiais figuram como vítimas do crime de resistência, enquanto a pessoa que morreu figura como indiciado e não como vítima de homicídio. Ou seja, o homicídio praticamente desaparece e como o ‘indiciado’ está morto, o inquérito policial é frequentemente arquivado, explica.
Marcela chama atenção, ainda, para a recente implantação do governo paulista, o registro digital de ocorrência (RDO), substituindo o boletim de ocorrência (BO). Com isso, os policiais que já dominavam os BOs colocando suas próprias versões, passam a ter uma ajuda extra, “pois a palavra ‘morte’ foi abolida do título da ocorrência, uma vez que os casos deixaram de ser registrados como resistência seguida de morte e passaram a ser registrados apenas como ‘resistência’. É necessário ler todo o histórico da ocorrência para tomar conhecimento de que uma pessoa foi morta. Isso diminuiu ainda mais a transparência e dificulta em muito o acompanhamento dessas mortes”, denuncia Marcela.
Em São Paulo, em 2008, foram atribuídos a resistência seguida de morte 431 mortes. No Rio de Janeiro, só no primeiro semestre de 2008, foram 750 mortes. Na Bahia, em levantamento estatístico feito pelo jornal A Tarde, no primeiro trimestre deste ano, somente em Salvador, policiais das Rondas Especiais (Rondesp), estão envolvidos em 50,7% dos óbitos registrados como auto de resistência.
No entanto, Marcela alerta que nos estados que não são contabilizados esse tipo de ocorrência pode-se esconder ainda mais a violência policial. “Oficialmente, parece que só os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais divulgam e contabilizam os dados”, conclui.
A assessoria de imprensa do Ministério da Justiça diz que tais dados chegam prontos apenas para divulgação em índices gerais, e não sabe responder quais outras federações brasileiras se utilizam do auto de resistência ou resistência seguida de morte para contabilizar essas mortes.
População mais violenta?
Uma das argumentações do Estado, segundo Marcela, “é que o uso sistemático de força excessiva por agentes de segurança pública faz parte do modo de atuação do policiamento no Brasil como justificativa para combater os altos índices de criminalidade”. No entanto, segundo dossiê do OVP- SP organizado junto à outras organizações sociais, os números revelam que a atuação da polícia é desproporcional quando se compara a quantidade de civis e policiais mortos.
O Brasil está quase 50% acima do que se considera internacionalmente justificável, que seria menos de dez civis mortos para cada policial. Entretanto, só em São Paulo, a média na década é de 14,9 civis mortos para cada policial, o que acusa que a polícia age de forma desproporcional à ameaça representada, segundo o dossiê.
No Rio de Janeiro, são 43 civis para cada policial morto em ação, o que também aponta a figura do auto de resistência sendo utilizado para maquiar execuções sumárias nas comunidades pobres, o que, para Ângela, “é uma política de extermínio da pobreza, um braço armado para o controle social, que se combina com as políticas assistencialistas”.


Fonte: http://www.brasildefato.com.br

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