Geografia
Geografia escolar despreza a boa ideia de Yves Lacoste
No meio de tanta bobagem esquerdista que escreveu, o geógrafo Yves Lacoste (foto ao lado) brindou-nos com uma crítica bem pertinente à geografia regional clássica: a de que as "regiões" mapeadas por Vidal de La Blache e seus seguidores não eram entidades concretas, tal como eles acreditavam, mas apenas o resultado de um modo específico de dividir a superfície terrestre com base em certos critérios. Por isso, Lacoste acusava o estudo regional clássico de levar as pessoas a acreditar que há uma forma única de dividir o espaço em "regiões", quando o conceito de região é apenas uma "ferramenta de conhecimento" que o pesquisador usa para estudar a "espacialidade diferencial" de cada fenômeno. Seria preciso, então, trabalhar com diversas formas de regionalização do espaço, e explicitar bem a utilidade teórica e política de cada critério de divisão regional utilizado, para chegar a explicações de caráter científico da espacialidade diferencial e para orientar as atividades de planejamento (Lacoste, 1989).
Estou de pleno acordo com essas ideias, as quais, diga-se, já haviam sido formuladas muito antes, na sua maior parte, por Richard Hartshorne, meu clássico favorito (Diniz Filho, 2000). Mas, acompanhando estes dias alguns textos de geógrafos que nadam contra a corrente, chamou-me a atenção o fato de que a geografia escolar tem repetido o procedimento de apresentar determinadas regionalizações sem explicitar as funções teóricas e políticas a que estas servem.
No texto As mentiras que os geógrafos contam para as crianças, Fernando R. F. de Lima analisa o livro didático usado por sua filha na escola:
Segundo os autores do livro, as Américas podem ser divididas segundo o critério histórico-cultural (anglo saxã e latina), econômico (desenvolvida, subdesenvolvida), segundo o sistema econômico (capitalista e socialista) ou ainda pela história da colonização (de povoamento ou de exploração). Obviamente, tratam-se de divisões "consagradas" no passado, mas que pouco tem a ver com a realidade atual.
O critério de desenvolvimento adotado, por exemplo, é simplesmente a repetição das falácias repetidas há muitos anos. Não ocorre uma busca de uma classificação que considere algum indicador de referência como por exemplo o Índice de Desenvolvimento Humano, que colocaria no rol de países desenvolvidos os sulamericanos Chile e Argentina, porção sul e sudeste do Brasil além de vários países da América Central, como Costa Rica, Porto Rico e outros menores.
Por sua vez, Anselmo Heidrich faz o seguinte comentário sobre essa passagem do texto:
Agora imagine se os geógrafos utilizassem vários critérios para n-regionalizações, como não seria rica a possibilidade de aulas sob vários temas e sua dimensão espacial e de como esta pudesse influenciar o desenvolvimento dos próprios temas, causas e fatores de desenvolvimento em foco. P.ex., assim como é o caso do IDH poderíamos avaliar graus de segurança pública, jurídica, poluição em separado para demonstrar como estas variáveis evoluem, se correlacionam (ou não) etc. Mas, para tanto, a atualização deve ser uma busca constante e é muito mais fácil decorar um esquema preconcebido calcado nesta falaciosa teoria desenvolvimentista com acordes marxistas-leninistas que demonstrou acima. Dentre tantas críticas que se poderia fazer, como nos dias atuais, em plena época do agronegócio, da importância das commodities e da cadeia produtiva que se associam, se pode falar em países exportadores primários como se o alto desempenho disto não dependesse de uma indústria de insumos e infra-estrutura? (cf.: Falácias geográficas - 1)
Perfeito! Uma geografia escolar coerente com a crítica de Lacoste aos estudos clássicos deveria proceder exatamente dessa maneira. E aí reside a grande ironia. Os atuais livros didáticos seguem a pauta da geografia crítica, corrente que teve em Lacoste um dos seus pioneiros. Todavia, contradizem a concepção desse autor sobre a "espacialidade diferencial" dos fenômenos, já que utilizam certas teorias como critérios de regionalização do globo sem explicitá-las e sem dar ao aluno a chance de conhecer outras formas possíveis de regionalização, derivadas de outras fontes. E isso sem mencionar que, conforme visto nas passagens citadas, essas teorias marxistas e terceiro-mundistas já estão pra lá de surradas!
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